“CADA QUAL NO SEU QUADRADO” – a Portaria 1.030 de 01 de dezembro de 2020 e seus desdobramentos dentro e fora das universidades.

José Rahi Santos

A portaria Nº 1.030 de 01 de dezembro, estabelece algo muito maior do que o retorno as aulas presenciais e o uso excepcional de recursos tecnológicos para complementariedade da carga horária das atividades pedagógicas. Ela, em seu conteúdo objetivo impõe que as instituições de ensino superior e seus órgãos colegiados elejam as disciplinas/componentes pedagógicos que podem ser ministrados com o uso da mediação tecnológica e digital. Mas, de forma subliminar, estabelece a possibilidade objetiva de um modelo híbrido de ensino.

A situação proposta pela portaria, alia-se ao discurso dos altos custos para manutenção dos discentes nas universidades federais. Uma vez que, o ensino mediado por ferramentas tecnológicas reduziria os gastos de manutenção predial, energia elétrica, água, apoio e auxílio aos discentes, dentre outros que, para esse atual governo, não são investimentos, e sim despesas onerosas aos cofres públicos.

Por outro lado, mas não tão distante da representação que tem a ciência e seus saberes para esse governo, há aí, um redirecionamento do foco da luta. Se anteriormente, o governo e o MEC eram os opositores mais prementes. Agora, essa portaria estimula, que no interior das universidades, grupos de servidores docentes e técnicos, como também discentes, terceirizados, familiares e comerciantes no entorno das instituições, passem a vislumbrar essa possibilidade como uma retomada das suas vidas para uma normalidade que se encontra suspensa pela excepcionalidade que a pandemia impõe.

Nessa perspectiva, passa-se ao segundo ponto de reflexão, que pretende expor as fraturas e fragmentações que os saberes científicos têm no mundo acadêmico e científico. Qual seja: Qual área do conhecimento, poderá ter seus componentes ministrados de forma remota? Qual a importância e relevância desses conhecimentos para o futuro da sociedade? O meu componente não pode ser remoto, mas aquele ali pode!

Esse debate, que se apresenta de forma subliminar nas redefinições dos currículos dos cursos, ganhará força mediante a necessidade de exposição perante a comunidade, daquilo que cada colegiado ou núcleo estruturante considera relevante para a formação profissional dos discentes. Assim a eleição de conteúdo, componentes e áreas de conhecimentos específicos na formação esvaziará as formações ampliadas ou amplificadas pelo conhecimento multidisciplinar.

O debate de caráter nacional fragmenta-se e torna-se atomizado, ou como diria aquela música, “Cada qual no seu quadrado”. Essa fragmentação, demonstra a fissura que o esvaziamento do debate político e crítico contínuo promoveu na sociedade. Trata-se da dissolução da bandeira de luta nacional, para eleição de bandeiras locais cuja preocupação estará em assegurar a relevância do seu conhecimento na formação profissional de discentes das mais diversas áreas do conhecimento.

Portanto, considero que o mote da portaria “retorno as aulas presenciais nas universidades federais” é uma cortina de fumaça, que embaça os olhos e nos transforma em Dom Quixotes, cavaleiros andantes e errantes balizados pelas nossas interpretações sobre o que lemos, e que estabelece quem somos, e cuja morte, seria o momento capaz de resgatar nossa racionalidade. O mote de Dom quixote era a sagração como Cavaleiro e, posteriormente, como herói, sua busca foi esse mergulho profundo no mundo que apreendeu com os livros. Na portaria o mote é a dissolução da universidade pública e presencial, gratuita e de qualidade. Mas não para todos, mas para aqueles que agora serão definidos pela própria comunidade acadêmica, como passíveis de serem compartilhados e curtidos de forma remota.

Esse será nosso inimigo mais premente, Nós mesmos e nosso julgamento sobre o exercício multidisciplinar na formação dos profissionais das mais distintas áreas.

Para além dessa dimensão que trata da dissolução das áreas de conhecimento, está o esvaziamento das políticas de manutenção e permanência de estudantes em condição de vulnerabilidade social nas universidades federais.

Esse ponto se apresenta no esvaziamento dos auxílios e cortes de recursos do Programa Nacional de Assistência Estudantil, uma vez que é um programa e não uma política de Estado. Implica na alteração do perfil do discentes em virtude da escassez de auxílios para assegurar a permanência. Implica na exposição das fragilidades sanitárias e de cumprimento das normas de distanciamento social em virtude de deslocamentos e vivências cotidianas.

A eleição das áreas de conhecimento que serão remotas e mediadas por equipamentos tecnológicos e digitais, impacta diretamente nos auxílios oferecidos para discentes dessas áreas. E, isso se dará em detrimento da manutenção desses mesmos auxílios para aquelas consideradas prioritárias e de prestígio, cuja participação desse perfil de alunado – vulnerabilidade social e hipossuficiência – não representa uma alteração do perfil do curso e do profissional que daí emerge.

Portanto, considero que essa portaria é um cavalo no meio do tabuleiro, aparentemente protegido por um peão, mas que de forma estratégica e como mais um ou duas jogadas ameaça o trono e impõe a derrota.

“Quem não gosta de samba, bom sujeito não é! É ruim da cabeça ou doente do pé”

Vamos sambar juntos! Pois separados seremos substituídos por nosso egocentrismo científico.
Lauro de Freitas, dezembro da excepcionalidade, 2020 – o ano em que a terra parou.


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