EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS É INCLUSÃO E NÃO SEGREGAÇÃO!!!

Emmanuelle Felix dos Santos

Imbuída de preceitos inclusivos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 96, incluiu um capítulo específico para a Educação Especial, no qual definiu como prioridade a oferta dessa modalidade de educação no ensino regular inclusivo, prevendo haver, quando necessários, serviços de apoio especializado. Desde então, o embate sobre a educação dos surdos se tornou mais evidente, principalmente em face das tentativas de fecharem as escolas de surdos e negarem o ensino em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

É salutar destacar que a política educacional inclusiva oriunda dessa lei ocasionou mudanças significativas nas práticas e nas estruturas educacionais, assim como na formação do professor, apontado um aprendizado mais profícuo. Portanto, a declaração do atual Ministro de Educação, Milton Ribeiro, de que “estudantes com deficiência atrapalham o aprendizado de outros alunos” é excludente e contraditória com todas as políticas inclusivas que temos construído.

Contudo, no que tange a educação das pessoas surdas, usuárias da Libras, essa oferta de ensino na escola regular inclusiva junto aos alunos ouvintes, realmente se tornou um impasse. Não porque prejudica o aprendizado dos demais alunos, mas em razão de essa proposta de ensino não contemplar efetivamente as necessidades educacionais dos alunos surdos. Precisamos entender que muitos surdos falam e aprendem por meio da língua de sinais, modalidade que efetivamente difere da modalidade oral utilizada pelos alunos ouvintes. Assim, juntar alunos surdos com alunos ouvintes numa sala de aula com metodologias educativas ouvintistas é uma “pseudoinclusão” e tem acarretado o fracasso educacional dos surdos.

É por esse motivo que a comunidade surda vem lutando, desde a década de 90, por uma EDUCAÇÃO BILÍNGUE que respeite as suas particularidades linguísticas e culturais, a exemplo do que se debateu no V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue para surdos, que ocorreu nos dias 20 a 24 de abril de 1999, em Porto Alegre.

Como resultado de vários movimentos surdos no Brasil, inclusive movimentos fomentados pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), conquistamos algumas políticas em prol da Educação Bilíngue, que se torna pertinente destacar:

a) Em 2002, foi aprovada a Lei nº 10.436, que reconhece a Libras como meio legal de comunicação e expressão;

b) Em 2005, foi aprovado o Decreto nº 5.626, que regulamenta a Lei 10.436/02 e institui, entre outras questões: a oferta do ensino de Libras na formação do professor; a inclusão do intérprete de Libras nos espaços públicos educacionais e da saúde; a formação docente para o ensino bilingue como a criação do curso de Letras com habilitação em Libras, a promoção de escolas e classes de Educação Bilingue;

c) Em 2011, foi aprovado o Decreto nº 7.612, que institui os Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Nacional Viver sem Limites e, por meio desse decreto, experimentamos um investimento de dotações orçamentária para a criação de 27 cursos de graduação em Letras com habilitação em Libras e 12 cursos de Pedagogia na perspectiva Bilíngue por todo Brasil (BRASIL, 2013);

d) Em 2015, foi aprovada a Lei n° 13.146, conhecida como Lei da Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em seu Art. nº 28º, consta que incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar a oferta de Educação Bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas (BRASIL, 2015);

e) Em 2020, foi aprovado o Decreto de nº. 10.502, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Nesse documento, a Educação Bilíngue para surdos é desvinculada do mito segregacional para a perspectiva linguística cultural, ou seja, passou a ser considerada uma modalidade de educação que deve promover a especialidade linguística e cultural aos educandos surdos, deficientes auditivos e surdocegos que optam pelo uso da Libras, ofertando, assim, o ensino em escolas e classes bilíngues de surdos, tendo a Libras como primeira língua e língua de instrução e comunicação, e da língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua (BRASIL, 2020);

f) Por fim, neste ano foi aprovado a Lei nº 14. 191, que altera a LDBEN de 96, incluindo a modalidade de Educação Bilíngue para os surdos, com os preceitos almejados pelos movimentos surdos, inclusive as propostas expressas no Relatório do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias nº1. 060/2013 e nº 91/2013, contendo subsídios para a Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa (BRASIL, 2014).

Assim, podemos perceber nos textos dessas políticas que a inclusão da modalidade de educação bilíngue para os surdos, deficientes auditivos e cegosurdos, não é um retrocesso; ao contrário, significa mais uma valorosa conquista para assegurar a implantação de escolas e classes bilíngues. Destarte, a Lei nº 14. 191/21 é uma vitória das ‘mãos’ que falam, que lutam, que sentem o que é estar numa sala de aula sem aprender, ter informações necessárias ou ter aulas traduzidas, sem metodologias adequadas e professores capacitados.

Desse modo, declaramos e reafirmamos que a EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA OS SURDOS, DEFICIENTES AUDITIVOS E CEGOSURDOS é um espaço de INCLUSÃO e não segregação!, porque ela deve promover uma prática pedagógica diferenciada, tal como é proposto aos povos indígenas devido as suas especificidades linguísticas e culturas (SANTOS, 2021).

Reconhecer a Educação Bilíngue para os surdos, deficientes auditivos e cegosurdos na LDBEN como uma modalidade educacional significativa é desconstruir concepções equivocadas pela sociedade sobre o surdo, sua língua e seu aprendizado (SANTOS, 2021).

Entender que a Educação Bilíngue é inclusão é o primeiro passo para a internalização das novas concepções sobre a educação do surdo. Precisamos escutar mais os surdos, silenciá-los menos e atender às suas necessidades educativas. Só assim estaremos, de fato, promovendo a equidade de direitos.

Amargosa-Ba, 03 de setembro de 2021.

Referências:

BRASIL. Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Paulo Renato Souza, 1996. Disponível em: Acesso em junho de 2012.

______. Lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Brasília: Paulo Renato Souza, 2002. Disponível em: . Acesso em junho de 2012.

______. Decreto n.º 5626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o artigo 18 da Lei n.º 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Fernando Haddad, 2005. Disponível em: . Acesso em junho de 2012.

______. Decreto nº 7.612 de 17 de novembro de 2011. Institui os Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Nacional Viver sem Limites. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7612.htm>. Acesso em: 02 de janeiro de 2018.

_____. /SDH/PR/SNPD. Viver sem Limite – Plano Nacional dos Direitos da Pessoa Deficiência : Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) / Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD), 2013.

_____. /MEC/SECADI. Relatório do Grupo de Trabalho designado pelas Portarias nº 1.060/2013 e n° 91/2013. Subsídios para Política Linguística de Educação Bilíngue- Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa- a ser implementado no Brasil, 2014. Disponível em < http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=56513>. Acesso em 6 de março de 2014.

_____. Decreto nº 10.195, de 30 de dezembro de 2019. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Educação e remaneja e transforma cargos em comissão e funções de confiança. Disponível em . Acesso em dezembro de 2020.

_____. Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020. Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Disponível em Acesso em abril de 2021.

_____ Lei nº 14.191, de 3 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Disponível em < https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.191-de-3-de-agosto-de-2021-336083749>. Acesso em 1 de setembro de 2021.

SANTOS, Emmanuelle Felix dos. Interface entre a prática educacional e a formação docente na educação de surdos In: BENTO, Nanci Araújo; BOMFIM, Luciane Ferreira; COSTA, Guilhermina Elisa Bessa da. (Org.). Coletânea Educação Linguística para Surdos no Século XXI: contextos formativos. Curitiba- PR. Editora CRV, 2021 (NO PRELO).

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