“Porque há o direito ao grito. Então eu grito. Grito puro e sem pedir esmola”*

Laura Bezerra (professora do CECULT)

Assisti hoje, das 10h-16h, a sessão da Câmara Municipal de Santo Amaro da Purificação, minha cidade, que deliberou sobre a instalação da empresa Orbi Química no terreno da antiga Fundição de Aço Trzan, à beira do rio Subaé e ao lado do manguezal.

O projeto não foi aprovado (o que me alegra), mas numa sessão permeada de mentiras de toda sorte, parte dos vereadores criou uma narrativa (sórdida!) da UFRB como “instituição que impede o progresso da cidade”. Gostaria, portanto, de explicar algumas coisas muito básicas:

1) LEGISLAÇÃO: O projeto apresentado pela Prefeitura fere a legislação municipal em vários aspectos (link para os documentos legais no final do textão):

a. De acordo com o Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal a área da Trzan é considerada zona de proteção histórico-ambiental (Art. 54, X), assim como os lindes do Rio Subaé no perímetro urbano (Art. 54, XI), ou seja: não é permitida a instalação de uma indústria química neste local. Só isso seria suficiente para barrar o projeto, especialmente numa cidade marcada por tragédias ambientais, mas tem mais.

b. A Lei Orgânica do Município estipula a necessidade de estudos de viabilidade técnica, ANTES da liberação de uma licença. Esses estudos NÃO foram realizados. c. Os Art. 33, 36 e 37 do Código Ambiental (de 2019!) determinam a necessidade de uma licença PRÉVIA, que deve ser publicada no Diário Oficial. Essa licença será concedida APÓS realização de um parecer técnico, também público. Nada disso aconteceu.

d. O Código Ambiental prevê, ainda, Audiências e Consultas Públicas (Art. 43 e 44). Estudos prévios de impacto ambiental devem ser divulgados com 15 de antecedência, no caso de Consultas, e 8 dias, no caso de Audiências. No dia 22/7, a Prefeitura fez uma live (apelidada de audiência pública) com a empresa, que foi divulgada na véspera. Ou seja, não conta como audiência pública. Foi somente aí que a UFRB soube do ocorrido.

e. No ano passado, a vereança instituiu um Polo Industrial na cidade, no distrito da Pitanga. Se é pra instalar a Orbi Química na cidade (APÓS o cumprimento dos ritos legais, claro!), o local seria esse, não é?

2) IMPACTOS ECONÔMICOS E AMBIENTAIS: a. A Prefeitura fala em 150 empregos diretos. Quantos deles ficariam realmente na cidade? Que empregos seriam esses? Que renda gerariam para a população de Santo Amaro? Como não foram apresentados estudos, não sabemos. Mas sabemos que muitos trabalhadores qualificados viriam de Salvador e voltariam pra lá todos os dias. Quantos empregos ficariam realmente para a população de Santo Amaro?

b. Qual a consequência dessa fábrica na beira do rio e do manguezal para os Pescadores e Marisqueiras da cidade-sede e seus distritos? Seus impactos ambientais? A Associação dos Pescadores e Marisqueiras Frutos do Mar, em conjunto com uma série de outras associações civis, se manifestou contrariamente e abriu ação contra o Município no Ministério Público Federal.

c. 150 empregos (que não sabemos quantos são efetivamente) valeriam prejudicar o sustento de um grande número de pescadores e marisqueiras da cidade?

3) SOBRE O TERRENO DOADO À UFRB: a. O Terreno das ruinas da Fundição Trzan foi doado à UFRB para viabilizar a vinda do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT) para Santo Amaro. O projeto de construção é lindo e seria um grande ganho para a cidade, especialmente para o entorno, que é muito, muito pobre. Planejamos uma universidade aberta, com os jovens frequentando nossa biblioteca, assistindo filmes e shows de teatro e música, fazendo cursos de extensão na nossa sede.

b. Por se tratar de prédio e área históricos, a construção do Campus Universitário foi vinculada ao PAC Cidades Históricas. O IPHAN já tinha feito o projeto inicial e estávamos na elaboração do projeto executivo, quando aconteceu o golpe. As verbas para Educação e Saúde foram congeladas por 20 anos pelo traíra do Michel Temer e seus asseclas (lembram disso? Pois é…). Por isso, o prédio ainda não foi construído, nem mesmo iniciado. Mas o PAC das Cidades Históricas ainda existe, nossa obra está lá, com previsão de ser realizada (cf. http://pac.gov.br/obra/64956).

c. A UFRB, que paga o DARF e todas as taxas pertinentes, sequer foi comunicada de uma possível transferência do terreno. Nem um zap recebemos. Não há mais um mínimo de civilidade a reger as relações institucionais?

d. No início, quando tinha um único curso, a UFRB, funcionou na Escola Doutor Bião, tínhamos duas salas de aula.

e. Hoje temos 6 cursos de graduação e 3 especializações (uma quarta tramita) e o CECULT funciona no prédio do antigo Colégio Pedro Lago, cedido provisoriamente pela Prefeitura. Já não cabemos mais lá. Esse sempre foi um espaço provisório.

4) DAS LINDEZAS DE SER PROFESSORA MESMO EM CONDIÇÕES ADVERSAS a. Fui criada na Rua do Rosário, 33. Sou neta da professora DosAnjos, filha da professora Laury, sobrinha da professora Zuleica e irmã da professora Vania. Estudei no Poli e no Teodoro, antes de ir para Salvador para poder cursar a universidade.

b. Voltar pra Santo Amaro, depois de tantos anos fora foi uma alegria. Vocês não imaginam o que vivi nesses últimos seis anos formando jovens (e sendo também formada por elxs), em sua maioria pretxs e pobres, primeiros de suas famílias a fazer um curso superior. Encontrei jovens brilhantes, criativos, inovadores, disciplinados, comprometidos. Tenho visto vôos admiráveis. Pessoas que me emocionam na sua vontade de criar um país melhor – mesmo lutando contra todas as adversidades possíveis.

c. “Eu acredito é na rapaziada” e cada dia mais se fortalece a certeza da importância da educação. Educação viva, implicada, situada. Sou do bonde de Paulo Freire e Milton Santos. “Com muito orguuuulho, com muito amooor”.

Alguns dos nobres edis da minha cidade hoje nos xingaram, desrespeitaram, ofenderam. Despudoradamente, disseram toda sorte de mentiras deslavadas. Foi feio, sórdido, de uma mediocridade assustadora! Criaram uma falsa polarização UFRB-Orbi.

Apresentaram a UFRB como entrave à indústria. Se utilizaram do nosso nome para encobrir sua incompetência: o projeto apresentado não apresentava viabilidade mínima, como mostrei no item primeiro. Se fosse aprovado hoje, seguramente seria sustado pelo Ministério Público. Ao que parece tem mais gente querendo se aproveitar da pandemia para “passar a boiada”.

O projeto não foi aprovado (o que me alegra), mas estou tristíssima. “Tanto horror e iniquidade”. Por isso escrevo meu primeiro textão: “Porque há o direito ao grito. Então eu grito. Grito puro e sem pedir esmola.”

Código Ambiental de Santo Amaro (2019): https://municipioonline.com.br/…/Publica…/FileDownload.ashx…

Lei Orgânica de Santo Amaro: https://municipioonline.com.br/…/Publica…/FileDownload.ashx…

Plano Diretor de Desenvolvimento Municipa (PDDM): https://municipioonline.com.br/…/Publica…/FileDownload.ashx…

*Texto publicado originalmente no perfil da professora no facebook: e republicado aqui com sua autorização.



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