A primeira década do século XXI é marcada por notórios avanços nas políticas públicas com recorte racial. As reivindicações históricas dos Movimentos Sociais Negros, visando o aumento da quantidade de afro-brasileiros no ensino público superior, consubstanciaram-se em práticas, mesmo sob fortes pressões em sentido contrário, especialmente da grande imprensa e até de uma parte da intelectualidade brasileira.
O grande debate sobre as ações afirmativas ocorreu em torno da implementação da reserva de vagas nas universidades e até bem pouco tempo, por ocasião da implementação da Lei 12.711 , esta querela voltou ao cenário nacional. É óbvio que este debate traz à tona um confronto de ideias, de visão de mundo e principalmente de que sociedade se pretende construir.
Se para as famílias mais abastadas, ou familiarizadas com o meio acadêmico, a universidade pode representar somente mais uma etapa da vida escolar -nestes casos o curso superior é dado como algo “certo”, ou pelo menos muito provável – no caso das famílias menos abastadas, e em geral negras, a universidade representa um grande feito, já que, no seu imaginário, ela estava ausente, distante, “pouco provável”. A entrada de um membro destas famílias no ensino superior e a sua permanência têm dois sentidos: um sentido que é individual e o outro que é coletivo. Ser universitário ou universitária significa a possibilidade de alterações no seu futuro, mas também no meio social em que este indivíduo circula.
A criação, em 2005, da UFRB, representou uma grande possibilidade de inclusão de uma parcela da população, notadamente do interior do Estado, para quem a Universidade era algo distante da sua realidade.
Outro grande avanço em termos de inclusão social, diz respeito ao modelo de acesso trazido pela UFRB , que ocorre em fase única e exclusivamente, através do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em todos os cursos de graduação há reservas de 45% das vagas. Desta cota, 43% são reservadas aos estudantes autodeclarados pretos ou pardos e 2% compõem a reserva para índio-descendentes.
Entre as Universidades brasileiras, a UFRB é pioneira em estabelecer uma Pro Reitoria específica para o tema das ações afirmativas, trazendo o desafio de trabalhar esta temática de forma articulada com os demais assuntos estudantis. De forma objetiva, a PROPAAE traz em sua concepção o Programa de Permanência Qualificada (PPQ) que busca garantir a permanência material do estudante, sem deixar de lado a sua formação acadêmica e aprofundamento teórico através da participação nos Programas de Pesquisa e Extensão.
A despeito das ações com recorte racial não gozarem de grande simpatia em uma sociedade que se diz racialmente democrática, não podemos perder de vista o fato de que elas são, sem dúvida, um meio necessário para se atingir a equidade. Atualmente, o amadurecimento destas discussões sobre ações afirmativas levam-nos a pensar para além das cotas e exigir a permanência, com qualidade, de estudantes negr@s no ensino superior; a universalização do ensino público e um efetivo investimento para a qualidade da educação e, em um futuro imediato, a implementação de cotas na pós graduação.
Ganhamos todos/as quando entendemos as políticas afirmativas, não como conquistas pessoais, mas como resultado de uma luta política de gerações. Ganhamos todos/as quando assumimos o compromisso com a inclusão de grupos social e historicamente segregados. Ganhamos todos/as ao preparar os caminhos para as gerações futuras.
Ao valorizar as trajetórias e os saberes individuais, criamos na Instituição um ambiente intelectual receptivo a estes jovens em função de suas experiências escolares, culturais e existenciais. Em contrapartida, estes estudantes compartilham conosco a experiência de um estar junto antropológico marcado pelas trocas e pela transformação cotidiana.
Dyane Brito Reis
Doutora em Educação
Professora de C. Sociais da UFRB desde 2010
Centro de Formação de Professores – CFP