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Relembrando o 19 de março de 2013

POR OUTRO MODELO DE GESTÀO INSTITUCIONAL: “DO JEITO QUE ESTÁ NÃO DÁ MAIS”


Herbert Toledo Martins

Vice-presidente da APUR

“Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas não pra dizer
Que eu não acredito mais em você […]”
(Jards Macalé e Waly Salomão)

O que houve no CFP na última terça-feira, 19/03/13, merece uma profunda reflexão. Confesso que fiquei impressionado com o que presenciei e ouvi das falas do(a)s colegas que se manifestaram na reunião do Conselho de Centro do CFP. E por isso penso que cada um de nós que lá estivemos deveríamos escrever algo a respeito do evento. Afinal, não podemos deixar o debate esfriar e perder essa massa crítica que construímos naquela reunião. Minha reflexão é de quem lá esteve como expectador e recupera um pouco as falas de diverso(a)s colegas e quer dizer que este modelo de financiamento das Universidades Federais imposto pelo MEC obriga as Universidades e aos seus gestores a participarem de um jogo competitivo semelhante ao funcionamento do mercado imobiliário, ou ainda, da especulação imobiliária, aliás não é atoa que estamos afogados em obras paralisadas. Já faz alguns anos que este modelo de gestão em curso privilegia a competição entre o(a)s docentes, e ao mesmo tempo submete as Universidades à lógica de mercado. Minha analogia com o mercado imobiliário pretende mostrar que estamos todos submetidos institucionalmente a um jogo competitivo perverso. No mercado, a coisa funciona da seguinte maneira: a construtora faz um lançamento de um edifício de 50 apartamentos, e realiza aquele estardalhaço em propaganda e marketing e começa imediatamente a vender as unidades. Vão se passando os meses e os problemas começam a surgir e a afetar o fluxo de caixa da construtora.

Causas trabalhistas que custam caro, greves, paralisações e multas da prefeitura e do estado e as coisas começam a piorar e a solução é lançar outro conjunto de apartamentos agora com 100 unidades, ou vagas. Assim, um novo lançamento é planejado às pressas para “salvar” o primeiro empreendimento. Que pode ser a replicação de um projeto arquitetônico de um pavilhão de aulas, por exemplo, se me permitem a ironia. O segundo lançamento será finalizado com o dinheiro do terceiro lançamento e assim indefinidamente. É lógico que esta lógica administrativa quando aplicada à gestão da Universidade apresenta problemas de toda ordem. Ou seja, na medida em que os projetos iniciais mal planejados, com vícios redibitórios graves (acessibilidade, segurança, sustentabilidade, durabilidade, etc.) vão vazando água é preciso encontrar soluções, por exemplo, para a falta de climatização das salas de aulas e gabinetes, de livros nas bibliotecas, de reagentes para aulas práticas, laboratórios, experimentos e toda uma gama de demandas que recaem sobre o custeio da Universidade. Por outro lado, e isso é muito intrigante, as agências de fomento à pesquisa e extensão incentivam o(a)s docentes a entrarem num jogo competitivo por produtividade e qualificação. Entre as quais a consolidação de programas de Mestrado, o que por sua vez aumenta a carga horária do(a) docente, e também a demanda sobre o custeio das Universidades, além de requerer um contingente maior de técnicos para experimentos, laboratórios, secretarias, burocracias, etc.

Uma das manifestações da precarização do trabalho docente ocorre exatamente em virtude da escassez de técnicos, o que obriga aos docentes a desempenhar “funções” que não lhes competem, mas também da distribuição muitas vezes equivocadas dos técnicos. O tempo vai passando e os problemas vão se agravando, e as contradições se tornam cada vez mais afloradas no dia-a-dia da Universidade. A manutenção da Universidade vai encarecendo. O dinheiro vai ficando curto e os problemas enormes. Junte a tudo isso um emaranhado de leis e normas que contribuem para as paralisações das obras e de licitações. A solução que o atual modelo de Universidade recomenda nestas situações é aderir aos editais e planos de expansão do MEC, pois somente assim se consegue mais 80 técnicos e outros tantos docentes. Neste sentido, somos resultados de escolhas feitas lá atrás. Por tudo isso é que se torna possível compreender a expansão de novos Centros como um imperativo dentro desse modelo de gestão, em virtude das demandas de custeio que com o tempo desfiguram qualquer PDI.

Neste jogo, o negócio é ser grande, diz o burocrata defensor do modelo, pois como uma Universidade de pequeno porte as chances de se ganhar editais e projetos são menores ou quase nulas. Neste sentido, o que esteve em disputa na reunião do CFP (maravilha de reunião!!!) foi um posicionamento crítico diante desse modelo de gestão que tentei brevemente esboçar a partir da lógica de funcionamento do mercado imobiliário. Em primeiro lugar é preciso que o conjunto do(a)s docentes tenha conhecimento e informações do jogo e sobre o que se está jogando, e isso não foi feito nos últimos anos. O debate começa a emergir somente agora com o posicionamento público da APUR e suas lideranças. Até então as questões nodais sobre o cotidiano e o futuro da Universidade eram decididas por um pequeno grupo seguindo orientações dos primeiros compromissos assumidos com o MEC, sobretudo, a adesão aos editais, propostas de expansão, criação de novos campi e, portanto, a aderência a um modelo de gestão que precariza o trabalho docente e submete os gestores da Universidade à condição de gerentes e administradores de obras paralisadas, de licitações interrompidas, de processos transitando em julgado, de editais competitivos, de termos aditivos infindos e de pregões esboroados.

E aqui é preciso dizer em alto e bom tom que os jovens professores do CFP não são contrários à interiorização do ensino superior no Brasil, sobretudo, localizada no berço da história desse país, mas reclamam que esta interiorização venha acompanhada de melhores condições de trabalho, o que implica dizer em melhores condições de ensino, pesquisa e extensão. Em segundo lugar, é preciso entender que sob esse modelo não há como falar em planejamento, sobretudo, para aquelas Universidades que estão em processo de implantação e são reféns da construção de obras. Não há como ser coerente com o que foi prometido no PDI. Coitado do PDI!!! E aqui reside um dos efeitos perversos graves do modelo de gestão em tela. Sendo desprovidos de planejamento que foi erodido pela burocratização, os nossos gestores reaplicam internamente o modelo no tratamento com os Diretores do Centro submetendo os mesmos a uma política de alinhamento. Aquele Diretor que conseguir, por exemplo, agilizar a doação de um terreno para a Universidade implantar uma de suas unidades, esse Diretor será contemplado.

Para a administração central é salutar que Diretores sejam proativos. Neste sistema todos devem contribuir com a produtividade da Universidade captando recursos, bolsas, financiamentos, abrindo mais cursos, grupos de pesquisa, laboratórios, experimentos, promovendo o crescimento e a expansão da Universidade. Contraditoriamente, reclamamos das condições de trabalho docente ao mesmo tempo em que preenchemos APCNs para novos cursos de Mestrado. Afinal, não queremos ser um escolão. Eis o tipo de escolha que o modelo nos impõe: ser escolão ou optar por ser uma Universidade produtora de conhecimento e, portanto, entrar no jogo perverso da competição por editais, bolsas, financiamentos, etc. Assim, todos nos tornamos soldados dentro dessa institucionalidade perversa. No jogo interno a administração é obrigada a fazer alianças e a distribuir recursos. Como o sistema é altamente centralizado no cargo do Reitor, os Diretores estão submetidos a ele. Qual é o(a) Diretor(a) que quer ter um projeto do seu Centro preterido, adormecido na gaveta? É notória a dependência e o alinhamento do(a)s Diretore(a)s neste sistema. Assim, no dia-a-dia da Universidade é preciso dar respostas às demandas, aos defeitos e aos imponderáveis que o modelo acarreta. Afinal, é preciso equilibrar minimamente os grupos em disputas.

Internamente, o jogo foi jogado até o momento com tapinhas nas costas, muitas promessas, acordos setoriais e intersetoriais não cumpridos, e muito muito jogo de cintura. Creio mesmo que esse modelo de gestão tenha sido espicaçado nesta reunião. Nesse sentido, o que os jovens docentes do CFP disseram dentro dessa Universidade, de maneira muitas vezes emocionada é que não estão suportando mais esse jogo. E o que é o mais grave, que não acreditam mais em promessas, em acordos assinados e não cumpridos. Que não conseguem mais trabalhar em condições precárias. Que não suportam mais a falta de livros nas bibliotecas. De reagentes nos laboratórios. De que não são contra a política de interiorização do ensino superior, mas que a mesma respeite e valorize o trabalho docente. Fazer de conta que esses problemas não existem, tratá-los com a barriga ou com tapas nas costas típicos de um populismo barato é uma política que se esgotou no CFP. Reparem que o modelo de gestão contra hegemônico que se construiu nas falas do(a)s colegas na reunião do CFP, propõe que o diálogo com o MEC seja mais independente. Neste sentido, o entendimento mais geral da reunião foi o de forçar a administração central da UFRB a democratizar os processos de decisões coletivas, sobretudo, aqueles que afetam diretamente as questões nodais e o futuro da Universidade, e a ter os docentes como aliados e não como opositores. Que possamos dizer não e sim ao MEC quando for do interesse da comunidade acadêmica da UFRB. Eis aqui o significado mais profundo de sermos um coletivo, de construirmos um sentimento de pertencimento. Parabéns aos colegas do CFP.

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