Antonio Eduardo Alves de Oliveira
Professor ciências sociais UFRB
Em 2015, ao completar um decênio de existência, duas questões de extrema importância prometem enfocar as atenções na UFRB: o processo sucessório da reitoria e a convocação da estatuinte. A questão da estatuinte na UFRB e o processo de escolha dos dirigentes nas universidades colocam em relevo uma problemática mais substantiva: qual o grau de democracia e participação nas instituições de ensino superior no Brasil.
Apesar de a UFRB ser uma instituição nova, produto da expansão recente do ensino superior a partir do REUNI, a nossa estrutura de funcionamento atual, inclusive o processo de escolha dos dirigentes, tem características imperiosas herdadas da mesma lógica das antigas universidades.
Em parte, isso se explica pela herança da tutora (UFBA), mas é um processo político mais complexo, tem a ver com o fato que nem nos governos da Nova República nem nos atuais governos do PT aconteceu um efetivo processo de democratização da estrutura de poder das instituições do ensino superior.
Os processos estatuintes e as escolhas de dirigentes nas novas universidades, apesar das promessas, mantém, quase que na sua totalidade, a mesma restrição a participação da comunidade acadêmica. Dessa forma, é importante assinalar que mesmo a “universidade nova” apresentada nos últimos tempos como panaceia para crise universitária mantém o controle das decisões como na universidade velha da época da ditadura militar.
A luta pela estatuinte na UFRB não pode ser apenas a atualização das normas e regras de funcionamento da instituição. Assim como a “escolha” dos dirigentes não pode ser vista como apenas um referendar de projetos já previamente definidos.
Neste sentido, como parte da mobilização da comunidade universitária da UFRB por democracia e autonomia, apresentou-se uma discussão sobre o processo geral nas universidades a partir dos anos 80 até o período mais recente de expansão das IFES.
Interessante notar que, apesar das mobilizações da comunidade universitária em praticamente todas as universidades publicas do país (estaduais e federais) desde o período do fim da ditadura militar e pelas chamadas liberdades democráticas, a estrutura de funcionamento das universidades e faculdades é caracterizada por uma ausência efetiva de participação e democracia.
Nos anos 80 e 90, a mobilização contra as listas sêxtuplas nos conselhos universitários e contra a ingerência dos governos nas escolhas dos dirigentes do ensino superior levou a uma ampla luta contra o que se chama “entulho da ditadura” nas universidades.
A luta pela democracia e autonomia nas universidades públicas teve uma ampla repercussão e resultados contraditórios. A mobilização por estatuintes democráticas e por eleições diretas para reitor evidenciava a insatisfação geral e representava um questionamento relativo da estrutura universitária claramente obsoleta e autoritária, e que nem mesmo os reitores (e os demais cargos dirigentes) eram escolhidos pela comunidade universitária.
Por varias razões, sobretudo pelo caráter geral da transição brasileira (longa e pactuada), em que a mudança também significou permanência. Aos poucos a burocracia universitária (a mesma da época da ditadura) foi abrindo espaço para setores opositores, sobretudo entre uma camada de docentes, que passaram eventualmente a conquistar posições de comando.
Este processo de reestruturação dos membros da burocracia universitária foi feito na maioria dos casos através de mobilizações com discursos em nome de democracia e acordos nos conselhos universitários, em que foi instituída uma democracia limitada e controlada, ou seja, uma democracia de fachada.
As entidades representativas dos três setores da universidade (docentes, estudantes e servidores técnicos) construíram consultas informais nos processos de escolhas dos dirigentes das universidades. Esta política foi implementada em todo território nacional pela atuação das direções (UNE, ANDES e FASSUBRA).
As consultas eram apresentadas como um processo de eleição direta para reitor, o que, na verdade, não eram, pois continuava havendo a lista, a indicação pelos conselhos universitários e, por fim, a escolha final pelo MEC ou pelo governador do estado. A luta pela democracia foi reduzida a exigir que uma consulta informal fosse referendada pela estrutura vigente.
O que era apresentado como uma tática inteligente de driblar a estrutura para conseguir a democracia possível, foi se transformando em um mecanismo para preservar o poder nas mãos da burocracia universitária, agora renovada com parte dos oposicionistas.
Em alguns casos, como na UFBA em 1988, o conselho universitário e o governo federal não aceitaram o mais votado nas consultas, e mais recentemente na USP, o que gerou atritos e mobilizações importantes. Entretanto, o que vale destacar é que os reitores democráticos “eleitos”, que passaram a ser a maioria na Andifes (Associação dos Reitores), apesar das promessas, e não tencionando por uma verdadeira autonomia universitária, não alteram os estatutos das universidades para que até mesmo a proposta limitada de eleição direta para reitor pudesse ser garantida.
Mesmo após o fim da ditadura militar, nem nos parlamentos, nem por iniciativa dos governos executivos (governos estaduais e presidência da república), foram votadas leis para democratizar as universidades.
A LDB e a Lei 9.192/95 estabeleceram que “o Reitor e o Vice-Reitor de universidade federal serão nomeados pelo Presidente da República e escolhidos entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que possuam título de doutor, cujos nomes figurem em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado máximo, ou outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim, em caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta por cento para a manifestação do pessoal docente em relação à das demais categorias.”
Por sua vez, os doze anos dos governos do PT e seus aliados não alteraram a antiga estrutura de poder nas universidades. O processo de melhoria do acesso com o aumento de vagas e com a expansão das IFES, com construção de novas universidades, não veio acompanhado de criação de novas formas de participação e democratização nas universidades.
O resultado dessa ausência de participação e de confiança nas instâncias deliberativas das universidades é o aumento do desinteresse em participar da construção das questões estruturais da universidade pelos membros da comunidade. Ou seja, a construção da universidade tem um caráter burocrático e administrativo, cada vez mais as definições importantes e relevantes estão distantes do controle democrático da própria comunidade, (os principais interessados).
Através de editais e portarias, o MEC burla a autonomia das universidades, ao mesmo tempo que, através do controle do repasse dos recursos financeiros, contratação de pessoal e equipamentos, condiciona atuação dos reitores e da burocracia universitária nas universidades. Cada vez mais, os reitores “eleitos” e demais dirigentes são transformados em “gestores”, ou seja, são verdadeiras correias de transmissão da política anti-autonomia e democracia do MEC.
Então, qual a alternativa nesse contexto de controle da burocracia universitária sobre os destinos da universidade?
Em primeiro lugar, é importante não cometer o equívoco de apresentar ilusões que existe democracia e participação nas universidades. A estrutura universitária (estatutos, regimentos) precisa ser mudada por completo a partir da mobilização da própria comunidade acadêmica. Ë preciso colocar em relevo a necessidade de uma participação efetiva da comunidade através da proposta da gestão tripartite, ou seja, a autonomia universitária através do autogoverno, formada por docentes, estudantes, servidores técnicos e setores populares.
Devemos aproveitar este momento conjuntural da UFRB para construir de fato uma universidade democrática, discutindo os pilares que sustentam nossa universidade sob a égide da democracia, é momento de priorizar o congresso estatuinte para propor mudanças democráticas radicais dentro dos limites da UFRB e abrir espaço para questionamentos e provocações para os entraves democráticos que engessam a universidade brasileira.