A democratização do ensino superior sempre foi uma bandeira de luta das entidades de classe e do movimento estudantil nas universidades públicas brasileiras. A LDB e, principalmente, as interpretações, ações e estratégias demandadas pelo governo de FHC, deram início a um modelo de democratização que chocava ao então defendido pela comunidade acadêmica no intramuros das universidades. Neste governo, a ideia socialdemocrata, de centro esquerda, de atribuir valor público ao privatizado, ou seja, modificar o privatizado pelos interesses públicos e coletivos, foi resignificada pelos reformadores brasileiros que passaram a inverter o princípio da denominada publicização, quer seja, passaram a estabelecer caráter privado ao que é público e, utilizar-se de propagandas e difusão de informação, estritamente vinculadas a interesses, portanto, instrumental, para inferir na sociedade a emergência de tais ações, como mecanismos de modernização do Estado e desenvolvimento equitativo da sociedade.
Não obstante, os anos que separam os governos de F H Cardoso do atual Governo da Presidenta Dilma Rousseff, o paradigma de sucateamento da educação superior, redução do Estado e da precarização dos serviços prestados pelo Estado perpetua-se, senão nas práticas privatistas do Estado, mas, principalmente, pela adoção dos princípios paradigmáticos que orientaram as reformas do MARE do Bresser e do MEC de Paulo Renato de Souza e que, hoje, estão presentes no imaginário da democratização presente no atual olhar do MEC, do Janine Ribeiro, e do MPOG de Nelson Barbosa. Haja vista, que na contramão das conquistas contrárias ao previsto na PL 4330, que trata da terceirização, onde, se busca estabelecer o impedimento à terceirização de prestação de serviços fins, o julgamento da inconstitucionalidade da Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação de entidades privadas como organizações sociais e a criação do Programa Nacional de Publicização, foi indeferido pelo Supremo Tribunal Federal. “Surpreendentemente”, o STF decidiu, após 15 anos, que as denominadas organizações sociais, teriam a validade da prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde.
Nestes amargos anos 90, Marilena Chauí, citando Michel Freitag (Le naufrage de l’université, 1996), nos chama a atenção para o caráter distintivo, entre a universidade como organização social e aquela denominada de instituição social. A primeira tem caráter instrumental, está focada em esquemas de gestão para obtenção de objetivo particular e, está orientada pelos conceitos de eficácia e eficiência dos meios para se alcançar os objetivos; é regida pelo planejamento, previsão, controle e êxito e, não lhe cabe questionar a sua existência ou função, nem o papel que desempenha na luta de classes. A segunda, aquela que nos apraz, é percebida como instituição social, tem a universalidade como princípio e a sociedade como interlocutora, realça a autonomia e a capacidade criativa e crítica de observar e propor à sociedade alternativas de superação das crises. Promotora de debates sobre sua existência e função, desempenha o papel emancipatório na luta de classes.
Mas, diante da crise, e acuada entre ajustes fiscais e reordenamento dos investimentos em serviços essenciais à sociedade, o governo da Pátria Educadora!, rompe com a mágica que alimentava os sonhos e os olhares de jovens docentes e, de uma parcela significativa de jovens estudantes, indivíduos estatisticamente e historicamente excluídos da educação superior.
Esta denominada Pátria Educadora!, cria os Brasis e os distingue em suas ações políticas de promoção de equidade, pois, ao tempo em que proporciona a ampliação do número de campus, aumenta o número de acesso, põe em descaso a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; ela, precariza o trabalho docente; esvazia os investimentos na pesquisa e, principalmente, descuida dos direitos individuais dos docentes, destituindo-lhes as condições de permanência. Quanto aos discentes, estes observam a cada período um descuido com a permanência destes na universidade, a equidade que assegura o direito coletivo de estar ali persiste; mas, as políticas de promoção da igualdade dos direitos perante as condições que o desiguala para permanecer, estão sendo sucateadas pelos constantes cortes nas verbas destinadas a educação superior. A Pátria Educadora! sucateou os sonhos e a esperança; eliminou a mágica em torno da política, que encantava a todos e dava crédito ao Estado no enfrentamento das desigualdades de desenvolvimento entre regiões e unidades da federação.
A mistificação ou a mágica que a expansão e reestruturação do ensino superior promoveu, estão dando lugar ao desencanto, à perda simbólica do sentimento de pertença, a ocultação da curiosidade criativa que promove a ascensão da ciência e a produção científica.
O número de novas vagas, associado ao número de novos campus e universidades, não são a panaceia de todos os males da educação superior, é preciso responsabilidade política para assegurar as verbas para manutenção dessas instituições como, pública, de qualidade, e de caráter universal. Logo, não se trata da matematização dos saberes e dos fazeres no campo do conhecimento – conforme consta nos índices de produção mensurados nas plataformas Lattes e Sucupira -, mas do saber fazer no campo da política. Portanto, para uma Pátria se constituir Educadora, é preciso respeitar as territorialidades e as individualidades e, erguer pressupostos homogêneos para democratizar a universidade, torna-la emancipatória e crítica. Deve-se materializar uma Instituição Social de responsabilidade exclusiva do Estado, autônoma, criativa e produtora de conhecimento.
No Outono de Amargosa, maio de 2015
Na contemplação da árvore do pensamento