O que os feminismos tem a dizer à greve na UFRB?

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Kiki Givigi
Diretoria da APUR
Gestão APUR pela base.

Para conversar um pouquinho sobre como a greve nos constitui como sujeitos da educação,  entendo que antes de tudo precisamos pensá-la como produção. Não é à toa que dissemos que a Pátria não é Educadora, mas a greve sim.  Tratava-se de pensar nas experiências e encontros que nos fazem, nos constroem e nos instituem em lugares de poder. É neste sentido que os medidores empresariais, os índices de produtividade, as demandas de editais, as aulas, a dissolução da carreira, etc,  embora nos digam sobre educação, não estão atentos àquilo que ainda não foi medido e talvez nunca seja. Talvez por isso a greve, ainda que seja um instrumento velho, é o que nos resta para nos fazer pensar sobre o que estamos sendo.

A greve é espaço de produção de sujeitos de poder. Contudo, poder não é potência. Poder pode operar no negativo, na falta e na legitimação de autoridades constituídas por processos diversos e nem por isso afirmativos. Não é novo dizer que, para se legitimar como sujeito da política é necessário estar em relação positiva com os discursos de verdade sobre o sujeito político. Isto, ao mesmo tempo circunstancia historicamente o discurso, localizando-o e, em mão dupla, legitima sujeito e a história como aceitáveis e inteligíveis. Nem sempre (ou quase nunca) os discursos de verdade abrem-se às suas margens e fronteiras para visibilizar o que os constitui. Ah sim…somos sujeitos constituídos também por aquilo que excluímos do campo do visível, do vivível e do reconhecível – é o que nos alertará os feminismos.

A minha conversa então é: que sujeitos legitimam-se com a greve e que sujeitos se constroem com as modulações e enquadramentos de poder que propomos e afirmamos nestes espaços? Estes sujeitos e, ao mesmo tempo as tecnologias de construções, são cada vez mais inteligíveis ou a greve abre enquadramentos para sujeitos disformes, novos, cujas linguagens anunciam outras afirmações?

As modulações discursivas foram desde o século XX denunciadas pelas feministas, ainda de primeira onda, quando estas diziam dos palavrões, das gritarias, do ‘pau na mesa’ e das variadas exposições de linguagens que instituíam o espaço da política como lugar também do machismo e sexismo. Segue-se a elxs e junto delxs as evidencias de que o enunciante e enunciado da política era macho-branco-heterossexual, constituindo-se assim este o modelo do ‘fazer política’ que, por isto mesmo é o receituário da ontologia do ser. A própria filosofia opera nestes limites e nestas margens.

Então, o que estou trazendo a esta conversa é que a greve na UFRB – para falar  de meu lugar – pouco atiça as ‘borradas’ das fronteiras da política, reafirmando discursos de verdade e em pouco fomenta a potencia que está nas ‘dobras’. Visivelmente, o modelo de política sedimenta as fronteiras e demarca, por meio das operações em curso, quem pode e não pode dizer e falar. Mulheres ainda são acusadas de histeria, os modelos de falas e recursos não cabem xs sujeitos disformes e ‘despreparadxs’ da linguagem e suas operações. Não cabe também disputar espaços com os falantes que, por seu jogo discursivo, inibem  o novo de nascer, marcando-o pela inabilidade com as palavras e gestos próprios da cultura política em curso.

Obviamente, não falo de exclusão, mas da restrição das margens, o que elimina antes de entrar, antes de ‘viver’, simplesmente porque não é reconhecível, inteligível e sustentável a partir do que se propõe. Mas não posso deixar de dizer que este são os mecanismos em curso do machismo, do sexismo e homofobia na política e que, mais do que uma operação sexual é um modo de fazer política que reafirma e legitima um sujeito e o autoriza a falar por nós.

O mais grave disso é que, ao operar binariamente a política faz-se parceria como o modus operandis do capitalismo em curso, cujo enquadramento faz funcionar uma economia dos desejos e do prazer. Parece-me que propostas contra-politica (parafraseando Paul Preciado quando trata do contra-sexual) mostrariam o artifício da política e iniciaria a construção de um novx operadxr político, cujas margens não recorreriam à inteligibilidade tutelar do estado. O funcionamento da política afirma a tutela do estado, a ponto das entidades sindicais nacionais serem necessárias ao funcionamento do jogo discursivo.

Esta é cara da política: machista, branca e heterossexual. Isto não invalida o movimento e nem o descredencia, exatamente porque há sempre o que foge na produção dos sujeitos. Nem tudo é catalogável e dizível (nem por isso transcendental). Contudo, a resistência precisa ser agenciada, movimentar criticamente as margens e transformar o que quer que chamemos de identidade docente num espaço mais conflituoso e discordante do que naquilo que é solucionável e harmonioso.

A greve é uma operação valiosamente construtora da identidade docente. Mas, identidade só serve quando é constituída de relações de forças dispares e múltiplas. Este modelo macho, branco e heterossexual tem a nos dizer mais de nossos limites, frustrações, preconceitos e fracassos do que de vivacidade, estratégia e força para enfrentar a crise que esta aí e há de vir.

Os enquadramentos  e posturas durante a greve nos mostram quem estamos sendo, que educação é essa, e que mecanismos de controle nos valemos para reviver o morto. No caso, o morto é o sujeito ideal, sem gênero, sem raça e sem classe que ainda orienta o nosso modo de fazer política, este que não deixa vir tudo que é negro, torto  e múltiplo.

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