A MP 746/2016 E OS DESDOBRAMENTOS NAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR

A MP 746/2016 E OS DESDOBRAMENTOS NAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR

José Raimundo de J. Santos
Sociólogo, Docente CFP/UFRB

timthumbO dialogo entre a mídia e o governo federal revela que a interdependência entre eles é maior do que se imagina. A ideologia que se busca colocar em evidência, e que implica no sucateamento da coisa pública, é uma meta comum a estas instituições. Concomitante com a edição da MP 746/ 2016 a mídia vem apresentando em editoriais escritos e televisivos o índice desfavorável das escolas públicas no ENEM 2015, exceto os IF’s e CEFET´s que foram excluídos da lista de rankeamento e análise. Esta correlação de forças de forma indireta alcança a universidade e promove uma nova forma de ataque às políticas de ações afirmativas que alteraram nos últimos 14 anos o perfil do alunado das instituições superiores, principalmente, nos cursos de alto prestígio.

Mas como as ações de intervenção que promovem a ensino médio em tempo integral com recursos da União pode ter este efeito? Bem, tomemos como ponto de partida a própria LDB quando estabelece a dissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e que no primeiro momento da expansão do ensino superior promoveu um boom no setor privado. Os atores que integravam aquela política de expansão são os mesmos que se apoderam de forma ilegítima do governo, e agora reeditam através da aprovação de constitucionalidade, a Lei 9.637/1988 que diz no “Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.”, as denominadas Organizações Sociais.

Estas ações influenciam diretamente nas políticas de ações afirmativas de acesso e permanência de estudantes negros e pobres na educação superior. Cego é quem não quer ter a consciência do que virá. Ou seja, ao estabelecer pela MP 746 o ensino integral, pauta de reivindicação dos movimentos sociais em prol da educação com financiamento da união, faz-se o mesmo que o acordo MEC/USAID, isto é, atende-se um ponto e subtraem-se muitos.

O tempo integral e a definição de itinerários formativos associados as habilidade e competências dos estudantes tenderia a maximizar, em potência, o perfil do alunado nas instituições superiores, ao mesmo tempo em que, promoveriam uma seleção precoce e discriminatória dos estudantes no processo de integralização dos seus currículos em áreas que lhes possibilite acessar os cursos de alto prestígio e demanda social. Neste caso, a seleção dos estudantes aos referidos cursos, ocorrerá antes do ingresso nas instituições superior, onde não há políticas afirmativas de cunho racial ou social.

A condição socioeconômica de existência e as oportunidades de acessar a determinadas instituições do ensino médio, promoverá neste espaço social novas regras meritocráticas para definição de quem está habilitado ou não para integralização em uma das áreas (1. Linguagens; 2. Matemática; 3. Ciências da natureza; 4. Ciências Humanas e; 5. Formação técnica e profissional; como também, pela disposição de recursos que se dará pela relação matemática com o número de alunos). Ao tempo em que, a necessidade de sobrevivência empurrará parcelas de estudantes à formação que lhes permita a inserção no mercado. Neste caso tanto as formações profissionais como as certificações intermediárias previstas na MP, serão concessões estabelecidas pelo sistema de ensino que permitirá ao estudante pobre o ingresso no mercado de trabalho.

Diante do exposto, ainda que resumidamente, pode-se afirmar que a MP 746/2016 transfere para a faixa dos 15 aos 18 anos de idade, a definição das futuras carreiras profissionais associadas às áreas do conhecimento propostas; as escolas públicas irão se transformar em centros formativos para áreas específicas; as escolas da iniciativa privada irão prover melhores recursos de investimento em pessoal e incentivo para assegurar a condição de herdeiros dos seus alunos, para quem o ensino superior é uma sequencia “natural” no itinerário formativo; o ENEM deverá se adequar a esta nova realidade com seleções específicas por áreas do conhecimento; neste sentido, a seleção meritocrática do vestibular que se esvaziou com o SISU será reinventada para o acesso deste novo corpo discente as escolas do ensino médio.

Conclui-se que esta MP promoverá dentro do mesmo sistema de ensino – médio e público não federal – hierarquizações e distinções que serão indicadores qualitativos e propagadores de desigualdades horizontalizadas. As escolas públicas terão especificidades no atuar e no fazer dos itinerários dos estudantes, e, assim haverá aquelas, cujos contextos – origem socioeconômica dos alunos, tamanho da escola e alunos por turma; como também, a permanência; irão estabelecer relações e papéis diferenciados, hierarquizando as escolas que atuam nas trajetórias escolares, daquelas, escolas, que exercem a função de captadores de alunos para a conclusão do ensino médio. As que atuam nas trajetórias escolares são responsáveis por um acompanhamento que assegura formas distintas de permanência (material e simbólica), acesso a bens culturais e fortalecimento das redes sociais. As captadoras, não constituem relações com os alunos e a sua especificidade está associada a reprodução de conteúdos e concessão de diplomas do ensino médio, sem integralização por áreas do conhecimento

A questão que emerge deste modelo distintivo das escolas do ensino médio como consequência da MP 746/2016 é: Como será a seleção dos alunos de cada uma destas escolas?

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