NOVEMBRO: MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Fátima Aparecida Silva
Educadora do CFP
Diretoria APUR
No mês de novembro, acontece, no interior da universidade e comunidade em geral, várias manifestações e reflexões sobre o “mês da consciência negra”. Neste mês, são frequentes os discursos e as atitudes que eu denomino de “síndrome da princesa Izabel” e síndrome dos/as redentores/as da história e vida da população negra.
Estas posturas (redentoras) reforçam a crença da passividade da população negra na construção da história do Brasil. Estas formas de pensar no meio acadêmico decorrem de um pensamento que não reconhece o protagonismo dos movimentos sociais negros desde o período colonial até os dias de hoje, dou como exemplo a explicação que o fim da escravidão no Brasil só teria ocorrido em decorrência da pressão econômica internacional naquele contexto.
Outras explicações que reforçam a pouca atenção em relação à luta da população negra no Brasil são os estudos que impõem o processo de “libertação” dos/as escravizados no Brasil a partir da atuação dos abolicionistas, geralmente homens brancos. Neste sentido, é importante destacar que estas explicações geraram a formação de uma corrente da política imigrantista, racista, que traz no seu bojo a defesa da inferioridade da população negra e a superioridade da população branca, trazendo consequências gravíssimas para a população negra, pós-abolição.
Em um cenário pós- abolição o Estado brasileiro e suas instâncias institucionais vão reprimir as manifestações culturais e religiosas da população negra, e é neste contexto que a construção da memória histórica e política da abolição são disputadas entre monarquistas e republicanos. Enquanto os monarquistas destacam a escravidão dos/as escravizados/as sendo redimida pela “redentora” princesa Isabel, os republicanos destacam o esforço de abolicionistas heróicos.
Nas duas versões partidárias (monarquistas e republicanos), a história do/a escravizado/a como sujeito ativo de sua libertação está ausente, sendo reduzido/a à figura de um ser passivo, inferiorizado, não só pelos séculos de vivência no cativeiro, como também devido ao seu suposto pertencimento a uma raça inferior.
As versões republicanas e monarquistas da abolição têm um ponto comum, representam a redenção dos/as escravizados/as como benemérito de homens brancos progressistas e humanitários, com apoio de alguns abolicionistas “mulatos”. Com o passar do tempo, as divisões partidárias perderam força, mas a visão do negro de raça inferior redimida pelo branco de raça superior perdura até hoje na historiografia brasileira. (AZEVEDO, 2004, p. 24).
A ideologia da comemoração do 13 de Maio, que exclui as populações negras de seu papel histórico, e reproduz a imagem somente do população negra como escravizada, perpassa a versão racista construída ao longo do século XIX, e disputará com organizações do movimento negro um espaço com significado de luta antirracista ao longo de quase todo século XX (AZEVEDO, 2004, p. 93).
Bem sabemos que ainda hoje a memória da população negra no Brasil disputa um espaço travado no campo ideológico, reforçada pelo eurocentrismo. Nesse sentido, a identidade da população negra é construída a partir da concepção do/a negro/a escravizado/a, despossuído/a de humanidade, de historicidade.
Se perguntarmos às pessoas, independente do seu grau de instrução, sobre a história da população negra no Brasil ou em outra parte do mundo, com certeza a maioria vai se referir ao negro/a como escravizado/a, inferiorizado/a. Isto nos faz refletir sobre como a ideologia da inferioridade racial construída ao longo dos séculos foi eficiente e, no caso brasileiro, fica mais ou tão mais difícil de discutir, pois outra ideologia também deu muito certo, a de que no Brasil a escravidão foi mais benigna, aqui as relações com a população indígena e negra foram extremamente democráticas, portanto aqui não tem discriminação racial.
A partir de 1970, a data do 13 de Maio, que comemorava o dia em que foi assinada a Lei Áurea, a Lei da Abolição, foi “enterrada” com uma grande mobilização do movimento negro, que convencionou celebrar em lugar da data o dia 20 de novembro, dedicado a Zumbi dos Palmares. Segundo Célia Maria de Azevedo, “Zumbi ganhou vida à medida que os movimentos negros contra o racismo conquistaram espaço no cenário social, resgatando do esquecimento a figura de um líder escravo que ousara dizer não à escravidão que lhe fora imposta pelo poder branco” (AZEVEDO 2004, p. 87). Zumbi é reverenciado como herói pela sua capacidade de governar uma sociedade de resistência ao escravismo, o Quilombo de Palmares, para onde fugiam escravos, índios e até brancos descontentes, e a estabilidade institucional do quilombo garante sua existência por mais de cem anos.
Assim, a data 20 de Novembro, destacando a figura guerreira de Zumbi dos Palmares, entra no cenário em substituição à data do 13 de Maio, que, reafirmamos, sai de cena juntamente com sua princesa, redentora dos escravos: “a princesa Isabel, e séquito de abolicionistas perfumados” conforme comentário de Célia Marinho de Azevedo (2004, p. 87).
Assim, destaco que a população negra escravizada não permaneceu passivamente à espera da abolição, principalmente os movimentos de insurreição dos escravos que pressionaram o fim da escravidão, sem contar com outras ações individuais e coletivas, como, por exemplo, a compra de alforrias pelas Irmandades Religiosas Negras, que, entre outros objetivos, tinham a compra de alforria de escravos.
Finalizo chamando a atenção para a temática do racismo institucional ou não na nossa universidade. Na minha percepção, diversas manifestações de racismo acontecem na UFRB, e as crenças de que população negra é inferior são manifestadas através de discursos meritocráticos, ações, palavras, posturas corporais etc. Muitas vezes estas manifestações são inviabilizadas, naturalizadas, escamoteando assim as competições, agressões de cunho étnico racial que acontecem no cotidiano da UFRB. Proponho que reflitamos sobre o assunto em todas as instancias da UFRB.
Bibliografia
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Abolicionismo Estados Unidos e Brasil: uma história comparada . São Paulo: Annablume, 2003.
AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda Negra, Medo Branco . O negro no imaginário das elites Século XIX. 2ª ed. São Paulo: Annablume, 2004.
SILVA, Fatima Aparecida. Escola, movimento negro e memória: o 13 de maio em Sorocaba – 1930. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Sorocaba, Sorocaba, 2005.