Enquanto há garantia do repasse de verbas públicas para o setor privado, as instituições federais de ensino sofrem com a falta de recursos
A situação financeira e orçamentária das Instituições Federais de Ensino (IFE) tem afetado docentes, trabalhadores técnico-administrativos e terceirizados e estudantes bem como as condições de trabalho e infraestrutura. Mesmo com a aprovação do Orçamento da União, na última semana – que ainda aguarda sanção presidencial, a tendência é que o contingenciamento, a que as IFE já estão sendo submetidas nos últimos anos, continue sendo parte central da política do governo federal.
“As consequências dessa política de redução de verbas do governo é anterior ao próprio anúncio do corte, apresentado no início do ano. Nós já sentimos os problemas orçamentários nas IFE, através do atraso no repasse de bolsas, do pagamento dos terceirizados, da diminuição do número de concursos públicos e da sua substituição pela contratação de professores substitutos. O corte de 30% do início do ano foi uma forma de oficializar e/ou institucionalizar o que já está acontecendo nas universidades”, aponta Maria Regina Moreira, 1ª vice-presidente da Regional Nordeste II do ANDES-SN e da coordenação do Setor das Ifes do ANDES-SN. Regina também ressalta que o processo de privatização das IFE e o desvio de dinheiro público para os setores privados, através de programas como o FIES, é uma forma de desviar o foco do investimento público para as instituições de ensino superior público.
Dados apurados pela Associação Docente da Universidade Federal Fluminense (Aduff Seção Sindical do ANDES-SN) mostram que a ausência de repasse de verbas da União, aliada à política do governo federal de expansão precarizada, que já está em curso, tem agravado o cotidiano da instituição. A receita da UFF diminuiu 6% desde 2013, enquanto o número de estudantes cresceu 31%. Isso evidencia a precarização das condições de trabalho e infraestrutura da universidade, que se materializa no atraso constante no pagamento dos terceirizados, no corte de bolsas discentes (monitoria, Pibic, Pibid, PET e Assistência Estudantil), no cancelamento ou na redução de auxílio financeiro para participação em bancas e outros eventos científicos; na paralisação de obras nos campi; na falha ou falta de fornecimento de serviços básicos, como água, luz e telefone, etc. Além da ameaça de suspensão das atividades da creche da UFF, caso o fornecimento de água não seja logo regularizado. Veja o quadro ao lado.
“Esse cenário de crise, de sucateamento, subfinanciamento, arrocho salarial, falta de condições de trabalho seja na rede municipal, estadual ou nas universidades federais é um processo integrado de privatização e sucateamento da educação pública como um todo. Ele só pode ser revertido com uma política unitária de discussão com a comunidade e mobilização de todos os setores da sociedade”, afirma Gustavo Gomes, diretor da Aduff-SSind.
Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), os problemas com pagamento de funcionários e com itens de consumo e materiais de expediente, já sentidos em 2014, foram trazidos à tona quando, ao final de março, a Reitoria apresentou uma carta solicitando o esforço conjunto da comunidade acadêmica para a adequação das despesas cotidianas diante da redução de verbas do governo. A diminuição de recursos acarretou a redução dos contratos de terceirizados e dos gastos com custeio de água, energia e telefone. Serão R$ 60 milhões a menos no orçamento de custeio de 2015 da UFBA — ao todo, eram esperados R$ 180 milhões. O documento afirma o compromisso da continuidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão e as ações de assistência estudantil, mas ressalta que as medidas de restrição de consumo e de despesas serão avaliadas a cada três meses. Confira a carta, aqui.
O corte de gastos na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) também está impactando o pagamento de bolsas, viagens, diárias, compra de materiais, e tem atrasado o salário dos trabalhadores terceirizados que realizam serviços de limpeza e vigilância, como em outras instituições. Em nota, a Administração Central da Ufes informou que, todos os serviços que são necessários e essenciais para o funcionamento da universidade não foram prejudicados, no entanto medidas foram implementadas para readequar despesas, como a revisão nos contratos com empresas terceirizadas, o redimensionamento de pessoal terceirizado para apoio administrativo e a reavaliação de contratos.
Outras instituições federais de ensino também estão sendo submetidas à redução de gastos, como a UFMG, que em novembro e dezembro de 2014, recebeu cerca de R$ 30 milhões a menos do que o previsto no orçamento aprovado pelo Congresso, e por causa do déficit acumulado ainda no ano passado, a Reitoria suspendeu pagamentos de contas de água e luz, adiou investimentos e priorizou pagamentos de bolsas e execução de projetos acadêmicos. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a falta de técnicos em oito laboratórios de atividades práticas de pesquisa e extensão, do curso de Comunicação Social — Jornalismo e Relações Públicas, fez com que as atividades fossem adiadas. Desde que os cursos foram criados, há cerca de oito anos, as atividades práticas nunca contaram com técnicos.
Repasse de verbas públicas para FIES x falta de recursos para a educação pública
Enquanto as IFE enfrentam situação crítica por conta da falta de financiamento público por parte do Estado, os chamados ‘tubarões do ensino’ continuam garantindo o lucro das empresas, com o repasse de verbas públicas. “O governo garante o financiamento ao Fies e não dá nenhuma garantia de repasse de verbas para a educação pública. Quer investir em qualidade? Investe no setor público. Hoje a maior parte das matrículas das empresas que mercantilizam a educação, como Kroton Educacional e Anhanguera, vem do programa do governo federal de crédito estudantil – o FIES. Ou seja, é setor público financiando o lucro das empresas privadas”, afirma Maria Regina.
Em dezembro de 2014, o governo federal anunciou mudanças nas regras para os estudantes de instituições privadas conveniadas ao MEC (Ministério da Educação) que desejam requerer financiamento pelo Fies (programa de crédito estudantil). Uma das justificativas, para que os estudantes que não tenham média de 450 pontos no Exame Nacional de Educação (ENEM) ou que tenham zerado a redação não possam pedir financiamento pelo Fies, foi a preocupação com a qualidade do ensino. “Se o governo federal se preocupasse com a qualidade do ensino, a situação atual de precarização das universidades públicas, com a expansão precarizada e implementação desenfreada do Reuni, não estaria como está.” finaliza a 1ª vice-presidente da Regional Nordeste II do Sindicato Nacional.
Com Informações: Aduff-SSind, Adufes e Folha Vitória.
Fotos: Aduff-SSind e Adufes