A greve das universidades brasileiras e a Frente Ampla de Esquerdas

A greve das universidades brasileiras e a Frente Ampla de Esquerdas

Diogo Valença de Azevedo Costa*

colunista_Diogo-ValençaAs universidades brasileiras, federais e estaduais, estão em greve. O movimento envolve servidores técnico-administrativos e docentes. A luta não é apenas por aumento de salário e melhores planos de carreira. Acima de tudo, é a defesa da universidade pública e de qualidade, pelo avanço da pesquisa científica original, que os servidores das duas categorias resolveram cruzar os braços. A pauta de reivindicações é ampla e diz respeito a diversos aspectos da vida acadêmica e universitária.

O país optou por financiar o ensino privado, nos diferentes níveis, com dinheiro público. A luta contra a privatização da educação é antiga e remonta a meados do século passado, quando eclodiu a Campanha em Defesa da Escola Pública (1961). O mais grave, porém, é que não estamos caminhando apenas para a privatização da educação, mas nos submetemos a um padrão dependente de desenvolvimento cultural, tecnológico e científico. Segundo afirmação desastrosa de um ex-ministro da educação, importar conhecimento já produzido é mais barato do que construir condições para um desenvolvimento intelectual autônomo.

Não apenas barganhamos nossos recursos naturais e vendemos nossas forças de trabalho por um custo menor para as grandes multinacionais. Negociamos o nosso futuro como nação por uns trocados a mais e rebaixamos o valor de nossa educação pela importação de modelos institucionais, organizacionais e tecnológicos pré-fabricados pelas nações centrais. Isso quer dizer que as questões postas pelas greves das universidades brasileiras são mais gerais e refletem as possibilidades de democratização da nossa sociedade via democratização do conhecimento.

É nesse sentido que as greves das universidades brasileiras devem intensificar esforços de se associar à construção de uma Frente Ampla de Esquerdas. Tal construção já está em curso, tendo emergido dos movimentos sociais mais radicais de luta pela reforma agrária e por uma política habitacional digna. O objetivo da Frente seria político, mas não eleitoreiro. Os seus principais adversários seriam o conjunto do empresariado vinculado ao grande capital internacional, à especulação financeira e à superexploração da força de trabalho. No caso brasileiro, país de origem colonial e de tradição escravocrata, essa Frente deveria também incorporar a luta dos jovens radicais, dos movimentos negros e feministas, contra o paternalismo, o racismo e o patriarcalismo imperantes em nossa sociedade. Todas essas dimensões são fatores de reforço da dominação política dos setores conservadores e devemos incorporar todos esses elementos de revolta numa perspectiva anticapitalista.

Estamos enfrentando uma das mais terríveis ofensivas conservadoras no plano político, que hoje se revela de maneira concentrada no parlamento e no judiciário. As manobras pela aprovação da redução da maioridade penal e as mudanças no estatuto da família são bons indicadores desse quadro histórico desfavorável para as forças progressistas do País. Há uma grave ameaça ao nosso precário estado democrático de direito, com ampla mobilização de setores reacionários e conservadores da sociedade civil, das elites das classes dirigentes e dos setores médios a elas subordinados.

O quadro é grave e a situação exige que os diferentes setores da esquerda sejam capazes de deixar de lado suas divergências doutrinárias, a fim de construir uma necessária unidade de lutas das classes trabalhadoras e demais camadas subalternas. Os servidores das universidades federais dariam um bom exemplo se começassem agora a intensificar seus esforços de aproximação com os movimentos sociais de luta pela reforma agrária e pela democratização da moradia. Essa ponte de aproximação com os movimentos sociais já existe, é preciso agora reforçá-la. Ou fazemos isso, ou as greves das universidades brasileiras jamais serão capazes de furar o boicote dos meios de comunicação da massa e dos partidos políticos conservadores.

O caminho para o País não são greves localizadas, de categorias específicas de trabalhadores. Essas greves são importantes e ajudam a manter viva a chama da luta. O movimento que começa a se esboçar entre os petroleiros, pela defesa do pré-sal e da Petrobrás, sinaliza para uma ampliação das possibilidades de contestação política. O que os servidores das universidades federais poderiam fazer agora seria o esforço de construção com diversas categorias de trabalhadores, dos setores público e privado, a fim de edificar um projeto alternativo de nação, para o conjunto do povo brasileiro e não para uma rala minoria dos mais ricos e poderosos.


* Professor de Sociologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

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