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CARTA DE UMA BAIANA DO RECÔNCAVO À UFRB

Cruz das Almas, 8 de março de 2016.

CARTA DE UMA BAIANA DO RECÔNCAVO À UFRB

Chegamos a outro oito de março. Neste ano sem Berta Cáceres (ambientalista de Honduras morta por causa de seu ativismo), Marina Menegazzo e María José Coni (argentinas mortas porque passeavam ‘sozinhas’). Também estamos sem estas tantas outras que fazem do Brasil o quinto país do mundo onde mais se matam mulheres, certamente, em sua maioria, negras e pobres. Somam-se a isso as mulheres transgêneros e outras não cisgêneros, que morrem todos os dias por suas diferenças.

Mas, se morremos por nossas diferenças, também por elas vivemos quando as afirmamos. São tantas as diferenças que nos marcam que não podemos mais obstruí-las e silenciá-las em nome de um sujeito mulher abstrato, sem raça e sem classe. SOMOS MUITXS e maiores ainda as multiplicidades entre nós. Ensinaram-nos que esta era nossa fraqueza, mas esta é nossa força! Eis que ao afirma-las rasga-se o véu que nos separa de um novo sujeito político em plena e vital construção. Talvez seja isso que temem os praticantes do sexismo, machismo, homofobias e racismo: que a concreta percepção de nossas diferenças alimente uma luta mais forte, mais colorida, mais cheia dos variados femininos que constituem a vivencia das mulheres no mundo.

Pensem comigo – as práticas que produzem o gênero em nós e definem as normas da nossa sexualidade podem ser anarquizadas pela proliferação de femininos que constituem a vida das ‘mulheres’, de tal modo que a regulação torne-se uma dificuldade do poder. O esforço das instituições e dos poderes para controlar a multiplicidade é sempre vã. Como estancar milhares coletivos de mulheres/femininos que se organizam a partir de suas experiências? Ah…não é à toa que a diversidade entre nós é tão temida!

Aqui, no Recôncavo da Bahia somos milhares – no campo, no litoral, nas artes, nas macumbas, nas igrejas, nas rezas e no santo, nas escolas, nas fábricas, etc.- somos quase todas negras, somos as que ficam do lado destas que são a maioria, somos tantas, que não foram capazes de nos eliminar apesar de todo esforço colonizador. Já disseram até que Salvador, aqui bem pertinho, é a cidade das mulheres graças à autoridade e protagonismo destas na direção de suas casas e das instituições sociais.

Aqui, no Recôncavo da Bahia, fazemos filhos, pesquisa e trabalho. Fazemos felicidade, mas também choramos nossas companheiras que se foram cobertas de flores que adornam o romantismo dos cavalheiros, mas também os caixões das mulheres vítimas de tantos cavalheiros. Acalmem-se: nossa luta não é contra homens, queremos mesmo é acertar o coração da cultura machista e racista deste recôncavo. Por vezes, para isso precisaremos acertar alguns homens, algozes de suas vítimas, mas não estamos em guerra contra as masculinidades, apenas estamos a construir outras autoridades.

Aqui no Recôncavo somos professoras, nas redes, na universidade, com nossos projetos, nossos companheiros e companheiras, filhos e agregados, e lutamos por uma universidade de qualidade, por creche e por direitos. Somos a maioria nas pesquisas e nas salas de aula, portanto temos a dizer sobre educação, sobre crise na educação, sobre prioridade de investimentos, sobre a Bahia e a vida na Bahia. Não queremos mais as pedagogias restritas de gênero que nos conformam ao lugar subalterno das decisões acadêmicas e políticas deste estado. Não reeditaremos por mais tempo a casa grande e senzala.

Ninguém dirá mais por nós. Ninguém nos dará voz. Ninguém nos dará vez. Somos nós que fazemos nossos nós. Somos nós que escolhemos as ferramentas (e também as construímos) que rasgam nossos caminhos. Somos nós que tecemos nossa indumentária e decidimos nossas parcerias. Somos nós que selecionamos as músicas que dançamos (e se dançamos). Somos nós que escolhemos a bebida e comida que comemos e bebemos. Somos nós que andamos umas com as outras (ahhh..Marina e Maria Jose não estavam sozinhas, elas tinham uma a outra!) .  Um aviso: somos nós, mulheres do Recôncavo, que queremos uma UFRB para o Recôncavo!

A APUR HOMENAGEIA AS PROFESSORAS DA UFRB E DESEJA COM ELAS CONSTRUIR A AGENDA PARA A GARANTIA DOS DIREITOS E PARA A REALIZAÇÃO DA EQUIDADE DE GENERO E RAÇA NA UNIVERSIDADE!

TAMBÉM ÀS TÉCNICAS E DISCENTES, NOSSA HOMENAGEM!

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