A GREVE DE 2012 PODE SER RETOMADA POR QUÊ?
O improvável não é esperado, afinal, como nos conta a sabedoria popular, um mesmo lugar não é atingido duas vezes por um raio. Mas o que estaria acontecendo com o conjunto dos Servidores Públicos Federais (SPF’s) nos últimos meses? Por que, após a longa greve de 2012, os/as trabalhadores/as se organizam para um novo enfrentamento com o governo? A seguir apresentam-se alguns dos motivos que nos levam a considerar seriamente uma nova paralisação.
VALORIZAÇÃO SALARIAL
Um dos pontos que unifica os diversos segmentos do serviço público diz respeito à valorização salarial. No caso dos servidores do Magistério Superior (MS) a situação é de corrosão dos aumentos pela inflação. Na tabela a seguir, como exemplo, são ilustrados os primeiros níveis dos vencimentos para docentes em Regime de Dedicação Exclusiva.
Fontes: Lei 12.863/2013 e IPCA (IBGE).
Conforme os dados, no período de julho de 2010 a março de 2014, a inflação oficial, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) através do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), registrou variação da ordem de 25,32%. Aparentemente, o resultado é favorável ao conjunto da categoria, mas quando consideramos a inflação futura (6,15%), estimada a partir de dados dos últimos 12 meses que são projetados por igual período, o resultado aponta para percentuais negativos, com exceção dos docentes Titulares e Auxiliares. Não por acaso classes que registram o menor número de servidores no Magistério Superior.
REESTRUTURAÇÃO DA CARREIRA
Outro tema que é caro ao coletivo docente trata da reestruturação da carreira, fragmentada pelas últimas reformas propostas pelo governo e chanceladas por uma federação que representa apenas cinco das 59 seções sindicais que atuam nas Universidades Federais. O indicador de quão problemática tem sido tal reformulação, é o fato de que, em menos de um ano, foram sancionadas as Leis 12.772/2012 e 12.863/2013, além da Medida Provisória 614/2013.
O texto que (des)estrutura a carreira docente no Brasil merece muitas críticas, mas algumas são exemplares da falta de parâmetros necessários a configuração do que se pode entender como uma carreira. Por exemplo, qual o argumento para criar uma entrada única, inclusive para docentes doutores? Neste caso, um doutor que ingressa no Magistério Superior a partir da nova legislação é considerado um professor Adjunto, classe A, e perceberá um vencimento total de R$ 8.480,74; por outro lado, apenas como ilustração, um eventual professor que tenha sido colega, do docente anteriormente citado, durante a pós-graduação, mas que entrou para o quadro das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) antes da vigência da Lei 12.772/2012 terá no seu contracheque a classificação de Adjunto, classe C, recebendo o salário de R$ 9.536,86. Portanto, uma diferença de R$ 1.056,12 entre trabalhadores com a mesma formação acadêmica e atribuições profissionais, logo, tem-se aqui, uma clara violação do princípio da isonomia.
Do mesmo modo, causa indignação a ausência de critérios lógicos que apontem para uma evolução na carreira, o que afeta tanto a relação entre os regimes de trabalho quanto as remunerações das titulações, como se pode observar na próxima tabela que analisa a situação dos docentes que ocupam a condição de Adjuntos, classe C:
Fonte: Lei 12.863/2013.
Os dados apresentados não mantêm nenhum tipo de proporcionalidade entre si. Notem que a função de Adjunto 1, no regime de 20 horas, tem por Vencimento Básico (VB) o valor de R$ 2.193,83 e, por um simples princípio de proporcionalidade, esperava-se que o VB do seu correspondente de 40 horas fosse o dobro, afinal trabalha-se duas vezes mais, logo deveríamos encontrar o valor de R$ 4.387,66. O governo, entretanto, nos paga R$ 3.118,50 (o que representa R$ 1.269,16 a menos nos salários). Já no tocante a Retribuição por Titulação (RT) dos docentes com Dedicação Exclusiva (DE) tem-se o inusitado quadro em que os valores correspondentes à gratificação são superiores aos salários base.
A categoria aguarda, desde agosto de 2012, a retomada efetiva da negociação com o Governo Federal através do ANDES-SN, mas o poder executivo, assim como a entidade signatária do acordo que deu origem a atual carreira docente, tem se negado a tratar desta pauta, pois entendem que o acordo vigente, mesmo que não assinado por nossas representações, contempla as demandas da categoria.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Não há dúvidas que na última década ocorreu uma forte e importante expansão da rede pública de ensino superior. Números do Ministério da Educação (MEC) apontam para um salto significativo de Institutos Federais (140 para 562 campi e 120 para 512 municípios atendidos) e Universidades Federais (148 para 321 campi e 114 para 275 municípios atendidos). Tais dados merecem e devem ser destacados como um esforço de inclusão de milhares de jovens brasileiros. O problema, entretanto, não está na histórica demanda pela expansão das IFES, mas na forma como a mesma tem ocorrido.
No caso da UFRB, é preciso verificar atentamente o andamento das negociações da pauta local, pois nos deparamos com números preocupantes. Afinal, na avaliação da diretoria da APUR, dos 70 pontos negociados com a Reitoria, em dezembro de 2012, apenas 11 itens foram atendidos, 13 parcialmente atendidos e 46 demandas estão completamente pendentes, inclusive com prazos já superados pelo acordo firmado entre os dirigentes sindicais e o Prof. Paulo Gabriel Nacif, Reitor da UFRB.
O presente quadro aponta para a precarização do trabalho docente, o que pode resultar, em situações extremas, no adoecimento laboral ou ainda num contexto de desalento e evasão, pois sabemos que as condições de trabalho são determinantes para o êxito nas relações de ensino/aprendizagem, no incremento da pesquisa acadêmica, bem como no desenvolvimento das ações extensionistas. O insucesso, em tais aspectos, reverbera na questão da permanência docente, pois os profissionais tendem a buscar outras instituições que possam lhe assegurar melhores condições de trabalho, acarretando na descontinuidade das atividades acadêmicas e, em última análise, em prejuízo para a própria instituição.
Assim, faz-se necessário que a urgente demanda por mais e melhores acervos bibliográficos, bibliotecas, laboratórios, salas de aulas, gabinetes, auditórios, espaços de convivência, restaurantes universitários, além da contratação de mais servidores técnico-administrativos e docentes possam ser priorizadas pela administração pública, de modo que tenhamos condições para assegurar a qualidade de nossos cursos, bem como, um ambiente acadêmico que possibilite a fixação docente no Recôncavo Baiano.
GARANTIA DE AUTONOMIA
O artigo 207 da Constituição Federal, promulgada em 05/10/1988, define que “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Tal doutrina, entretanto, vê-se como letra morta no cenário atual.
É bem verdade, que durante os 21 anos de ditadura no Brasil a academia viveu os seus momentos mais tenebrosos, quer seja pela violência aberta contra os estudantes, os servidores técnico-administrativos e os professores, ou ainda pela ingerência em suas administrações e nos seus currículos. Por outro lado, com a redemocratização, esperavam-se novos ares nos espaços universitários e quis o constituinte originário, na redação do artigo 207, resgatar e compor, na carta magna, o princípio da autonomia universitária.
Entretanto, lamentavelmente, o que se observa é descaracterização de tal postulado uma vez que progressivamente são editados decretos, portarias, instruções normativas e projetos de lei que restringem e, no limite, inviabilizam a autonomia das universidades brasileiras. São exemplos deste processo o Reuni, programa ao qual a UFRB se vincula; os vínculos com as Fundações de Apoio para inúmeras ações acadêmicas, como a FAPEX no caso de nossa instituição; os convênios com organizações não-governamentais e instituições de caráter privado que atuam em atividades fins; os contratos com as empreiteiras e as empresas terceirizadas que atuam no espaço acadêmico; a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) para gerir os Hospitais Universitários. Enfim, percebe-se, no rol ora apresentado, a presença cada vez maior da iniciativa privada e do caráter mercantil na gestão do bem público. Diante deste quadro, devemos nos questionar sobre o que a intervenção permanente do capital fará, dentro em breve, da autonomia universitária?
A PAUTA UNIFICADA DOS SERVIDORES PÚBLICOS
Para além destas questões, que dizem respeito à realidade dos que atuam no Magistério Superior, existe uma pauta unificada dos SPF’s que foi entregue ao governo federal, em 24/01/2014, no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) em que são apresentadas, de acordo com o ANDES-SN, os seguintes eixos:
- Definição de data-base (1º de maio);
- Política salarial permanente com reposição inflacionária, valorização do salário base e incorporação das gratificações;
- Cumprimento por parte do governo dos acordos e protocolos de intenções firmados;
- Contra qualquer reforma que retire direitos dos trabalhadores;
- Retirada dos PL’s, MP’s e decretos contrários aos interesses dos servidores públicos;
- Paridade e integralidade entre ativos, aposentados e pensionistas;
- Reajuste dos benefícios;
- Antecipação, para 2014, da parcela de reajustes de 2015.
Cabe registrar que o MPOG afirma que “a valorização da força de trabalho e de expansão de pessoal por meio de concursos fizeram com que o gasto público com o pagamento de pessoal do Executivo Civil saísse do patamar de R$ 37,7 bilhões ao ano em 2002 para R$ 122,3 bilhões ao ano em 2013, crescimento de 224%. Segundo a pasta, no mesmo período, o IPCA variou 87%. O ministério ainda defendeu que agiu com cautela na preservação do equilíbrio fiscal para possibilitar a reversão da histórica defasagem salarial”.[1] Por outro lado, o próprio MPOG disponibiliza dados que revelam a significativa queda dos gastos com pessoal frente à receita corrente líquida da União, entre os anos de 1995 e 2012, conforme o gráfico abaixo:
Fonte: MPOG, Boletim Estatístico de Pessoal, n. 201, p. 28, jan. 2013.
Ora, existem apenas duas formas para se obter tal resultado: i) o incremento das receitas através do aumento da arrecadação de impostos, o que inclusive tem sido anunciado em tom de comemoração pelo Governo Federal em diversas matérias vinculadas pelos meios de comunicação, e, ii) a diminuição das despesas com os gastos sociais vinculados aos SPF’s, como nos seguintes casos: a restrição dos pagamentos de insalubridade e periculosidade, o fim dos anuênios e, especialmente, nos valores associados ao pagamento das aposentadorias, primeiro com as mudanças inseridas na Constituição, através da emenda 41/2003, e, posteriormente, com a regulamentação do Funpresp que passou a vigorar em março de 2013.
Diante deste cenário, não seria demais imaginar que parte do financiamento da expansão de vagas no Serviço Público Federal, inclusive nas universidades, dê-se através da perda de direitos históricos da classe trabalhadora com destaque, dentre eles, da aposentadoria integral dos docentes.
O EFEITO PARA-RAIOS
Por tudo que ora se expõe neste texto, é preciso realizar um esforço para compreender que o governo sabe que no conjunto dos SPF’s, e mais ainda do Magistério Superior, o raio tende a cair no mesmo lugar. Por isso, de antemão previne-se na construção de um grande para-raios capaz de catalisar a energia que paira no ar e, em ato contínuo, dispersá-la em forma de fóruns, grupos de trabalhos, mesas permanentes de negociação, discussões conceituais intermináveis que levam, no limite, aos aumentos pontuais que repõem parcialmente as perdas inflacionárias.
A atenção do governo volta-se, em geral, para segmentos considerados mais radicalizados ou vitais para a manutenção do Estado. Neste caso, os docentes são duplamente penalizados, pois, por parte da categoria, afinal são educadores, não se concebe o radicalismo por princípio, e, por parte do governo, infelizmente nota-se que a educação de qualidade não passa de um discurso, incapaz de ser considerado como item fundamental para o funcionamento do Estado. Assim, os educadores/as se vêem desafiados a se recriar a cada greve, avançando nas contradições do capital que os engana e os alimenta, com esperança de que um dia possam superá-lo.
Enfim, estas são algumas das questões que se apresentam na atual conjuntura: a greve de 2012 poderá ser retomada? Quando? Por quanto tempo? Conseguiremos impor nossa pauta ao governo? Sairemos vencedores ou vencidos? A greve seria a melhor estratégia de enfrentamento? Todas estas indagações não podem ser respondidas de antemão e, enquanto categoria, o coletivo docente deverá se debruçar sobre suas implicações, avaliando prós e contras para, num gesto democrático, deliberar em Assembleia o melhor caminho a seguir. Mas é preciso que tenhamos uma certeza: os motivos para greve existem e são demasiadamente justos!