No final de junho encerramos a nossa greve docente federal e construímos mais um capítulo da nossa trajetória de mobilizações em prol dos direitos dos/das trabalhadores/as e do futuro do Brasil.
A nossa história é permeada por lutas coletivas e por pessoas que desempenharam e desempenham ações fundamentais para moldar um país mais justo, mais democrático.
Uma dessas pessoas é o professor Luiz Henrique Sá da Nova, que leciona no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) – Campus Cachoeira/São Félix, e que lutou politicamente contra o grave período de recrudescimento dos direitos humanos no Brasil, a Ditadura Militar (1964-1985). Hoje, lembramos deste período manchado da história do país com perspectivas de mudanças futuras. O caminho é longo, mas reanimamos nossa expectativa após a decisão do governo federal em retomar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos nesta quinta-feira, 4.
Luta política
Luiz Nova é natural de Macarani, no interior da Bahia. Desde criança, aos 8 anos, já tinha dado os primeiros passos na militância política, quando participou de passeata que cobrava esclarecimentos sobre a morte por afogamento de um pescador.
Anos mais tarde, no fim da década de 60, mudou-se para Salvador. Lá, ingressou na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com intuito de estudar Jornalismo. Em parceria com os demais estudantes, Luiz Nova se articulou politicamente e participou de coletivos de resistência política que pediam o fim do golpe militar, que havia sido dado em 1964.
De acordo com Luiz Nova, os movimentos sociais que ele havia participado eram clandestinos e sofriam forte repressão do governo, que utilizava ameaças, prisões e tortura como forma de intimidação.
“A ditadura militar é a comprovação do absurdo. Foi um atropelo da história e da vida normal. Um movimento embasado pela classe média e alta brasileira, com apoio dos Estados Unidos, que não tinha o consentimento da maioria da população […] o protagonismo daquele momento foi tirado das mãos do povo por um golpe militar violento e indevido”, diz.
Desmobilização educacional
Um dos intuitos da ditadura militar era a supressão do pensamento crítico, especialmente nas universidades públicas, com foco na implementação do tecnicismo educacional para criação de mão de obra capitalista. Para que isso se concretizasse, o governo militar, em parceria com os Estados Unidos, firmou acordos à revelia do conhecimento da população, que hoje são conhecidos como acordos MEC-USAID.
Conforme Luiz Nova, este projeto educacional não resistiu à mobilização conjunta da população, especialmente dos discentes.
“O MEC-USAID não foi implementado em sua totalidade devido à reação dos estudantes das universidades públicas. Na época, tínhamos disciplinas soltas que impactavam também na vida social dos estudantes. Tive aulas em que não poderia ter a turma toda presente. Era uma desagregação, que se somava à repressão, às ameaças de expulsão, às invasões policiais iminentes, ao discurso violento contra a educação. Pode parecer exagero, mas eu diria que este modelo educacional tenta permanecer até hoje nas escolas e nas universidades. A verticalização do conhecimento que impedia o aflorar da diversidade de opiniões”.
História que não pode ser esquecida
A repressão militar também manchou de sangue o interior da Bahia. Segundo Luiz Nova, os relatos sobre mortes e desaparecimentos eram mais comuns nas capitais, mas isso não impedia a ditadura de expandir seu terror por todo o país.
“Conheci a história de Rosalindo Souza, estudante de Direito que a família morava em Itapetinga – Bahia, município vizinho a Macarani. Rosalindo militava contra a ditadura e se incorporou à Guerrilha do Araguaia. Soubemos que ele havia sido preso e depois se tornou desaparecido. Não se sabe nada sobre ele, nem o corpo foi encontrado. Lembro que ele era brilhante, extremamente articulado nas reuniões operárias em Itapetinga. O desaparecimento dele fez com que muitos estudantes abandonassem não só a luta, mas também a vida acadêmica. A ditadura produziu vazios em gerações inteiras. Pessoas que estavam nas suas fases mais pujantes. Ela prendeu e matou, quando não destruía fisicamente e mentalmente com a imposição das torturas”.
Por fim, Luiz Nova destaca que embora o golpe tenha terminado há 60 anos e o governo federal esteja trabalhando para que parte desta história não fique impune, o projeto de poder implantado entre 1964 a 1985 ainda está presente no dia a dia.
“Em 1964, 40% do eleitorado apoiavam o presidente Jango e 39% apoiavam as reformas de base no Brasil. Naquela época, do ponto de vista tecnológico e econômico, era tudo mais atrasado, mas a visão comunitária da vida se sustentava. Hoje, entendo que este tipo de visão dificilmente sobreviva porque estamos em uma sociedade enraizada pelo liberalismo econômico. Esta é a grande matriz para a derrota da democracia comunitária”, explica.
Este texto tem o intuito de trazer um recorte enxuto das transgressões do período do golpe militar para que não sejam esquecidas ou reescritas. A APUR soma forças às entidades que lutam pela preservação da memória da ditadura militar, a fim de identificar e problematizar os impactos passados e atuais na sociedade brasileira.