No final do ano passado, um novo vírus colocou não apenas a China, primeiro país a ter casos registrados, mas todo o mundo em alerta; o chamado coronavírus (COVID 2019). A Organização Mundial de Saúde (OMS) chegou a declarar que vivemos uma pandemia do novo coronavírus. Atualmente, segundo relatório do Ministério da Saúde, o Brasil tem 200 casos confirmados. As informações são muitas e fáceis de acessar, o que ajuda bastante na prevenção, mas que também acaba gerando algumas preocupações e discussões. Pensando nisso, a APUR decidiu trazer alguns esclarecimentos e discussões sobre o tema. Para isto, contamos com ajuda dos professores do Centro de Ciências da Saúde (CCS)/UFRB Paloma Pinho e Fernando Vicentini, que fazem parte do Comitê de Acompanhamento e Enfrentamento a COVID-19 instalado na UFRB na última sexta-feira (13); que responderam algumas questões.
- A universidade é um ambiente que recebe uma extensa movimentação de pessoas de diferentes lugares, como ela pode tentar proteger a comunidade interna de uma possível contaminação?
Fernando Vicentini: Há muitas estratégias altamente eficientes. A primeira delas é a informação de qualidade e atualizada. A segunda é conscientizar a população de seu papel no processo, apenas cidadãos conscientes ajudarão. Em terceiro lugar, evitar aglomerações, já estamos evitando os eventos e sugerindo aulas com salas abertas ou ao ar livre. Depois, ter canais de comunicação eficientes para a identificação e orientação dos casos para que não se espalhem, pois imaginamos que inevitavelmente chegará. Orientações como a lavagem das mãos, evitar contato físico ou muito próximo entre as pessoas e disponibilidade de sabão e álcool para as mãos completam essa lista mais imediata.
- As autoridades chinesas informaram recentemente que o pico do surto do coronavírus passou, o que isso pode significar para os estudos sobre a erradicação do vírus?
Fernando Vicentini: Primeiramente, não devemos pensar que isso signifique queda no número de infecções nos demais países e no Brasil. Apenas há uma equação entre a forma de transmissão do vírus e o número de pessoas vulneráveis. À medida que mais pessoas se infectam, menos vulneráveis sobram, logo, os casos novos diminuem naturalmente. Do ponto de vista da ciência, o importante é que a China continue colaborando na execução das análises de epidemiologia molecular e tratamento, assim como sua divulgação.
- As notícias veiculadas dão conta de que mais de 42 mil postos de saúde estão aptos a atender 90% dos casos de coronavírus. Neste sentido, qual a importância do SUS no combate à expansão do vírus?
Paloma Pinho: Na matéria da ABRASCO, Gastão Wagner afirma: “Governos e Ministério da Saúde precisam de bastante agilidade e, para isso, o principal instrumento é o SUS”. Ou seja, apesar de viver um momento de desfinanciamento, o SUS tem sido a âncora de todos/as. Esse sistema de saúde universal, através de dois pontos chaves – a vigilância e a assistência – reforçam sua importância. É preciso ações de monitoramento, realização de exames, assistência e cuidado na rede de atenção à saúde (seja na atenção básica ou hospitalar), ações que o SUS tem sido o maior responsável. Será preciso investimento imediato, pois o “subfinanciamento crônico do sistema, da carência e baixa remuneração de pessoal, e em problemas de gestão, tornam o quadro mais dramático” – como sinaliza Roberto Medronho.
- O atendimento do SUS nos casos de coronavírus serve para reforçar a importância deste sistema. Pensando nisso, o que podemos fazer para defender o SUS?
Paloma Pinho: Nossas atitudes e discursos são nossos maiores aliados nesse momento. Não disseminar pânico ou fake news ajudará muito. O SUS é nosso e nós é que precisamos defendê-lo. O papel das universidades fortalece o diálogo, e a UFRB defende o SUS como sistema universal que precisa de investimento e fortalecimento imediato.
- A ciência do nosso país vem sofrendo com a constante redução nos recursos, mas a corrida contra o tempo para estudar o coronavírus vem mostrar a sua relevância. Já não estaria mais do que na hora das autoridades entenderem que o investimento na ciência é uma questão de sobrevivência?
Paloma Pinho e Fernando Vicentini: Infelizmente, o “teto de gastos” e a “Regra de ouro” imposta pelo governo federal vêm prejudicando sobremaneira todas aas atividades acadêmicas e científicas. Neste momento é imprescindível a liberação do teto de gastos enquanto emergência sanitária. Muito recurso precisa ser investido desde a Atenção Primária, até o desenvolvimento científico que passa pela formação, estrutura de novos espaços como laboratórios e leitos etc.
- Como andam as pesquisas para a criação de uma vacina?
Fernando Vicentini: Há uma corrida mundial tanto no setor privado como no público. Desenvolver uma vacina para um vírus com o potencial que estamos acompanhando dará divisas e reconhecimento. Entretanto, é necessário respeitar os limites naturais da evolução viral e das etapas de produção e liberação de uma vacina altamente eficaz. Fazer um modelo qualquer, se faz em poucas semanas, mas que seja capaz de prevenir mais de 99% dos casos, é muito complexo e exige o acompanhamento da evolução genética do vírus que demonstra vários pontos de mutação em seu genoma. Estão descritas duas variantes genéticas com diferentes virulências e letalidade, mais ainda é muito cedo para se falar num modelo vacinal eficiente.
- Na sua avaliação, há motivos para pânico?
Paloma Pinho: O pânico só vai dificultar mais ainda as ações e medidas a serem adotadas. E cada medida preventiva tem um momento adequado para ser adotada. O que a experiência da pandemia nos outros países indica é que estamos no momento de explosão de casos (a curva epidêmica sobe verticalmente), então no primeiro indício de expansão de casos e confirmação de transmissão comunitária é o momento das medidas de contenção e isolamento social. Na Bahia, até o momento, a situação não parece de explosão. É possível que isto ocorra em poucos dias. O momento é de monitoramento, vigilância e proteção individual.
- O que é o Coronavírus – COVID-19?
Fernando Vicentini: O Comitê Internacional de Taxonomia Viral (ICTV) é o órgão mundial responsável pela caracterização e evolução viral. O nome do vírus é SARS CoV-2 e pertence filogeneticamente à espécie do SARS e coronavírus relacionados. Este tipo 2 é o responsável pela doença chamada CoViD-19 (Doença do coronavírus). É um vírus bastante conhecido e apresenta um potencial zoonótico que já se mostrou impactante na saúde humana e animal anteriormente como na SARS e MERS nas décadas passadas. Para fins de controle deste vírus, o mais importante é o fato de ser um vírus envelopados. O envelope que é a estrutura responsável pelo contato do vírus com as células dos hospedeiros tem natureza lipídica, o que o torna sensível à ação de detergentes como o álcool. Por isso a recomendação do uso do álcool nas mãos que de fato inativa as partículas virias impedindo a autoinfecção ao tocar boca, nariz e olhos, assim como a infecção de terceiros.
- Sabe-se que o COVID-19 não é o primeiro coronavírus humano que se tem notícia, e que a maioria das pessoas se infecta no decorrer da vida, mas não da forma tão perigosa como o COVID-19. O que o torna tão perigoso?
Fernando Vicentini: Os vírus naturalmente sofrem mutações, ou seja, alterações aleatórias do seu material genético. Os vírus de RNA como este são ainda mais susceptíveis às mutações. À medida que sofrem as mutações podem gerar vírus mais ou menos adaptados ao hospedeiro, mais ou menos virulentos e letais. Infelizmente para a humanidade, este tipo 2 do SARS se adaptou bem a ser transmitido entre humanos com alta morbimortalidade. Pesa nessa pandemia estarmos vivendo na era do mundo globalizado com trânsito intercontinental intenso.
- Incialmente, foi noticiado que a fonte de infecção da doença era o morcego; depois os animais marinhos viraram foco. Há alguma verdade nessas especulações? Quais seriam de fato as fontes de infecção?
Fernando Vicentini: A ciência que estuda a evolução dos vírus é a filogenia molecular. Através de estudos das sequências genéticas é possível avaliar a evolução viral. Vírus semelhantes a este circula muito em morcegos e já se adaptaram aos felinos no caso do SARS e aos camelos no caso do MERS. Ainda não há clareza se o SARS CoV-2 conseguiu transpor a barreira inter espécie diretamente do morcego para os humanos ou se há um intermediário. Novas pesquisas nos darão essa informação em breve.