Duas histórias distintas contadas pela ditadura militar caem por terra nesta semana. Juscelino Kubitschek e Arnaldo Rocha foram vítimas da mesma mentira. Contudo, nessa terça-feira (10), a Comissão da Verdade Vladimir Herzog confirmou que o ex-presidente da República fora assassinado. Na quarta-feira (11), durante a primeira conferência do Fórum Mundial dos Direitos Humanos, em Brasília, perito da Universidade de São Paulo (USP) prova que o ex-militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) fora morto com vários tiros pelo corpo.
A Comissão da Verdade Vladimir Herzog, do município de São Paulo, declarou, durante reunião realizada na manhã dessa terça-feira (10), que o ex-presidente da República, Juscelino Kubitschek (1956-1961), fora assassinado pelo regime militar. A versão divulgada pela imprensa, e também pelos livros didáticos, é a de que ele teria morrido em acidente de carro no dia 22 de agosto de 1976, na Rodovia Presidente Dutra (Foto). A assessoria de imprensa do vereador Gilberto Natalini (PV), presidente da comissão, informou que um relatório sobre o assunto foi lido nessa reunião, ocasião em que foram divulgados os itens que comprovam o crime.
“Não temos dúvida de que Juscelino Kubitschek foi vítima de conspiração, de um complô e de um atentado político. Há provas documentais e testemunhais importantes”, assegura o vereador. Há cerca de um mês e meio, a Comissão da Verdade ouviu o depoimento do motorista Josias Nunes de Oliveira, hoje com 69 anos, apontado, durante a ditadura, como o responsável pelo acidente que provocou a morte do ex-presidente. Na ocasião, Oliveira disse que, depois do acidente, dois homens ofereceram, na delegacia e na casa dele, dinheiro para que assumisse a culpa.
O motorista dirigia o ônibus Cometa que bateu contra o carro do ex-presidente, matando Kubitschek e o motorista do carro, Geraldo Ribeiro, que, na época, dirigia o Chevrolet Opala, o automóvel predileto do ex-mandatário brasileiro. “Eles foram à minha casa e disseram que se eu não aceitasse o dinheiro e assumisse a culpa, eles bateriam em mim”, declarou aos vereadores Josias Nunes de Oliveira. Além de Josias, a Comissão Municipal ouviu também Serafim Jardim, secretário particular de Juscelino na ocasião do acidente; Paulo Castelo Branco, que solicitou a reabertura das investigações do caso em 1996; Paulo Oliver, um dos 33 passageiros do ônibus dirigido por Oliveira; e Gabriel Junqueira Villa Forte, filho do proprietário do hotel no qual o ex-presidente ficou hospedado antes do acidente fatal daquela noite.
No depoimento dado à comissão em agosto, Serafim Melo Jardim disse ter certeza de que JK vinha sendo vigiado. “Acompanhei o presidente desde que voltou do exílio. Sempre que viajávamos ele dizia: ‘Estão querendo me matar'”, afirmou o ex-secretário, que acompanhou JK durante os últimos nove meses de vida. Na época do acidente, Kubitschek tinha 73 anos e havia recuperado os direitos políticos cassados pelo regime militar pouco tempo antes. Ele era considerado “inimigo dos militares” e “ameaça” à estabilidade política daquele período. A partir desses quatro depoimentos, a comissão investigou o caso e chegou ao veredicto: “Ele foi assassinado. Descobrimos laudos falsos, erros processuais e de perícia que nos levaram a declarar que Juscelino Kubitschek fora vítima de uma conspiração”, afirma o presidente da comissão.
Os documentos comprovam a linha de raciocínio defendida pela comissão paulistana na Câmara de Vereadores. A divulgação do relatório permitiu à Comissão Vladimir Herzog encaminhar os documentos para Brasília no intuito de que a Comissão Nacional da Verdade também declare o assassinato de JK. “É um caso de justiça com os brasileiros, a família do ex-presidente e a história do nosso país”, afirma Natalini, que também foi perseguido político, torturado pelos militares na época do regime de exceção pela Operação Bandeirante (Oban).
As declarações sobre o complô contra JK ocorreram durante uma cerimônia, realizada nessa segunda-feira (9), de restituição do mandato de 42 ex-vereadores, cassados em São Paulo por crimes de opinião, perseguição política e de cunho ideológico. Os mandatos incluem não apenas os crimes praticados pelos militares da junta de presidentes não eleitos que governou o país após 1964, mas também de todo o período anterior, até 1939.
Outra história da ditadura militar cai por terra
Outra história contada pela ditadura militar que caiu por terra foi a de que o ex-militante da Aliança Nacional Libertadora, (ALN), Arnaldo Cardoso Rocha, havia sido morto durante um tiroteio. O perito Marco Aurélio Guimarães, titular do Laboratório de Antropologia Forense da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, revelou, por meio dos laudos periciais da exumação do ex-militante feita em agosto deste ano, que ele fora assassinado sob tortura e com vários tiros simétricos em todo o corpo.
Arnaldo foi morto com mais dois companheiros da ALN, Francisco Emanuel Penteado, de 20 anos, e Francisco Seiko Okama, de 26 anos. A versão oficial divulgada pela polícia na época é a que eles resistiram à prisão ao serem abordados pela polícia na rua Caquito, na Penha, em São Paulo, e que dois deles morreram no local. Todavia, testemunhos colhidos nos anos 1980 revelaram que pelo menos dois deles, Arnaldo e Seiko, feridos a bala, haviam sido postos num carro e levados para o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em que foram torturados e mortos.
Apresentado pela primeira vez na manhã desta quarta-feira (11), durante o Fórum Mundial de Direitos Humanos, que começou nessa terça-feira (10) e prossegue até sexta-feira (13), em Brasília, os dois laudos definem que a causa primária da morte do ex-militante foi traumatismo crânio-encefálico, seguido de outros traumatismos distribuídos por todo o corpo. O perito disse que uma das principais surpresas da exumação foi a água encontrada na sepultura e na urna metálica em que estava o corpo de Rocha. Segundo ele, essa surpresa favoreceu a perícia porque a água preservou a ossada.
Além da água, os peritos encontraram seis projéteis de arma de fogo com viabilidade para balística na urna, os quais foram entregue à Iara Xavier Pereira, esposa do ex-militante, juntamente com os laudos periciais. Apesar de haver somente seis projéteis no caixão, a exumação do ex-militante identificou mais de 30 orifícios distribuídos dos pés ao crânio, provavelmente nessa ordem, decorrentes de disparos. Ele explicou que as marcas dos projéteis são simétricas, o que indica o uso de arma de fogo como instrumento de tortura. A perícia constatou que os tiros foram disparados de cima para baixo.
Guimarães afirmou ainda que a perícia sugere que Arnaldo tenha morrido também em decorrência de tortura. “As lesões encontradas não permitiriam que Arnaldo tivesse condições de se movimentar ou reagir na hora dos disparos”, concluiu. A exumação e a perícia foram conduzidas pela Polícia Federal, pelo Instituto Médico Legal do Distrito Federal e pelo Grupo de Arqueologia e Antropologia da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
*Com informações do Metro e Folha de S. Paulo
* Foto: Divulgação. Acidente JK, na Via Dutra, 1976