Prof. Dr. José Raimundo Santos
CAHL/UFRB
Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje! Essa frase diz tudo e muito mais, pois ao tempo que transcende a racionalidade do tempo, apresenta a complexidade da experiência, da memória e da ancestralidade. Mas, principalmente, reúne num só contexto, uma convocatória para que possamos refletir sobre as estruturas que nos circundam e nos aprisionam nas temporalidades do racismo, segregacionismo, sexismos e genocídios múltiplos. Exu convoca para que todos nós joguemos pedras hoje, para que possamos sistematicamente e continuamente desmantelar as estruturas e instituições do passado que fortaleceram e propagaram as ideologias de desumanização do povo preto e de todas as formas de segregação que nos vitimiza.
Exubrinca com a visão, convoca os múltiplos sentidos para semear a consciência do ser, desta forma ele reúne nos arredores da consciência, os sons, cheiros, gostos, tatos e a própria visão, agora crítica e decomposta. Ele reúne as sensibilidades do todo, aquelas que fazem parte de um arquétipo ontológico da existência e essência do próprio ser. Por consequência, estimula uma relação dialógica entre o ser-negro e o negro-ser. Neste sentido, o pensar e o agir se fundem num só movimento, dão ao corpo sua mobilidade e suas características, traços diacríticos e étnicos que fortalecem o indivíduo no seu existir aqui e ali. Daí a fusão necessária entre o negro-brasileiro e o brasileiro-negro. Ou seja, entre o pensado como beneficiário das políticas públicas e aqueles que demandam cotidianamente o Estado por políticas públicas.
Ontem foi o Dia da Consciência Negra e ontem Lula foi o Exu. Ele anunciou um pacote pela Igualdade Racial e reconheceu que esta é uma parcela de uma dívida histórica. A pedra jogada ontem objetivava alcançar as raízes do racismo à brasileira, cuja marca – cor da pele – vale mais que a origem – descendência africana. Mas, esta pedra pretende convocar os corpos pretos para remexer a história da diáspora e suas consequências. Num primeiro momento, deve fomentar o debate e resgatar a humanidade dos ancestrais que compuseram as senzalas, se revoltaram e conceberam a estruturas comunitárias doravante denominada de QUILOMBO.
O sentido da pedra atirada enquanto um conjunto de medidas em prol da Igualdade Racial servirá para estimular novas reflexões sobre o espraiamento do racismo na sociedade brasileira. Daí a importância de compreender a singularidade dos Quilombos como modelo organizacional, a importância das linguagens contemporâneas como forma de manifestação das comunidades e de expressão das juventudes, o debate e a difusão da causa antirracista e a capacitação técnica e científica de indivíduos negros e negras.
Mas o Exu Lula, atirou uma só pedra no dia 20/11, agora precisamos que o pássaro abatido no dia 19/11, seja depenado e desnudado, seja exposto e tenha suas significações e sentidos modificadas. Daí que a pedra atirada hoje (21/11) produto da reflexão direta ou indireta de setores da sociedade, e que estimulou o debate entre negros e não negros nas múltiplas instâncias da sociedade sobre as ações de iniquidades promovidas pelos Governos e elites nacionais, levou o Lula a assinar um pacote de medidas em prol da equidade e da Igualdade no Dia da Consciência Negra.
A cada dia deve-se atirar as pedras para modificar a realidade distópica imposta ao povo negro, seja nos seus lugares de moradia, trabalho, educação, saúde e acesso a bens e serviços. Atira-se a pedra hoje para modificar e atuar nas fissuras das estruturas institucionais que engessam e propagam a desumanização do negro. Mas não se trata de ser o humano que a racionalidade moderna e colonialista impõe, cuja visão de mundo, parametriza a cidadania, o conhecimento e outras expressões de ser e existir. Reivindica-se uma humanidade própria, cujas sensibilidades de ser no mundo, possibilitem perceber o outro a partir das suas singularidades.
Cachoeira, 21 de novembro
Laroyê Exu!!! Laroyê UFRB!! Laroyê o Fórum 20 de Novembro
Peguem suas pedras….
*Esse é um texto de opinião publicado no “Espaço do Professor/a”, aberto a todos/as filiados/as. Como todos os textos desta seção, não necessariamente reflete a opinião política da diretoria da APUR.