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A luta vale a pena: conquistas parciais da greve e retomada da mobilização

Após 38 dias em greve, em 18 de junho, os/as docentes da UFRB deliberaram pelo fim do movimento paredista em nossa universidade e pela construção de uma saída coletiva nacional. Uma greve forte que contou com a adesão de quase 60 universidades federais e mais de 80 institutos federais, envolvendo cerca de 300 mil servidores/as (TAEs e Docentes) em todo país.

Os últimos anos foram dificílimos para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e suas comunidades. Uma situação de penúria foi (e está sendo) vivenciada nessas instituições, resultado dos sucessivos cortes de verbas forçados pelo Teto de Gastos (EC-95), operados pelos governos Temer e Bolsonaro. A elevada inflação do período associada à inexistência de reajustes corroeu significativamente os salários dos/as servidores/as da educação federal.

Após derrotar Bolsonaro e eleger Lula presidente, a comunidade universitária renovou suas esperanças e, principalmente, as expectativas de reversão desse lamentável quadro de desvalorização da educação pública federal. Em seu primeiro ano, o Governo Lula, com a aprovação da PEC da transição (PEC 32/2022), suplementou parcialmente o orçamento das IFES e concedeu reajuste emergencial aos/às servidores/as públicos federais. Entretanto, o orçamento das IFES aprovado para 2024 foi inferior ao já insuficiente orçamento trabalhado no ano anterior. Ou seja, não haveria verba para reajustar e ampliar as bolsas estudantis, promover melhorias nas condições de trabalho, retomar obras e dar continuidade ao processo de implementação da nossa universidade.

Depois de quase um ano tentando negociar com o Governo Federal a recomposição inflacionária dos salários dos/as servidores/as, percebeu-se que os/as representantes/as do Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) enrolavam a bancada sindical, alegando a indisponibilidade orçamentária para recomposição salarial e ampliação do orçamento das IFES, em função do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), enquanto o governo cedia às pressões do “centrão” (mais de 50 bilhões em emendas parlamentares) e concedia reajustes a outras categorias (policiais, banco central etc.).

Diante desse impasse, do justo direito de reaver as perdas inflacionárias e da necessidade de suplementação do orçamento das IFES, os/as docentes foram levados/as a intensificar a luta com a construção de uma greve na educação, visando “empurrar” o governo que elegeram a aplicar a plataforma vitoriosa nas urnas e não o programa derrotado, com que significava, especialmente, a revogação dos “limites e tetos dos gastos sociais” e a elevação dos investimentos na educação, como dizia Lula durante a campanha.

Em 09 de maio, na maior assembleia docente da história da UFRB (297 presentes), por expressiva maioria, os/as professores/as deflagram greve em nossa universidade e se juntaram ao movimento nacional em curso desde 15 de abril.

Depois disso, foram várias e diversificadas atividades realizadas durante a greve (panfletagens, reuniões, debates, oficinas, assembleias, audiências, passeatas, entrevistas em rádios, entre outras), as quais visaram aprofundar nosso debate em relação às pautas internas e estratégias de luta, mas também dar visibilidade ao nosso movimento, pressionar o governo e dialogar com as comunidades dos territórios de identidade onde a UFRB está situada.

Ainda em relação às atividades de greve, em mesa de negociação com a reitoria, o Comando Local de Greve (CLG) defendeu a continuidade das bolsas, recomendou à reitoria a continuidade dos editais na UFRB que oferecem bolsas à nossa comunidade, reafirmou os direitos dos/as docentes substitutos, solicitou que os/as estudantes não fossem penalizados/as com faltas durante a greve, solicitou o plano de construções da UFRB e as informações relativas às necessidades orçamentárias da nossa universidade.

A comissão de ética da greve trabalhou árdua e cuidadosamente para produzir orientações relativas às atividades passiveis de continuidade, bem como apreciou dezenas de solicitações, com o compromisso de evitar perdas irreparáveis à UFRB.

Também tivemos representação constante no Comando Nacional de Greve (CNG), para defender nossas posições e contribuir para que o movimento tomasse as melhores direções.

É preciso dizer que a greve na educação federal foi a mobilização mais robusta que enfrentou na prática o NAF, além de demonstrar que o caminho para garantir as reivindicações do povo trabalhador é a luta organizada. O NAF vem limitando os investimentos nas áreas sociais e forçando os bloqueios e os contingenciamentos no orçamento, mostrando-se incompatível com os anseios populares e as próprias promessas de campanha. A cada dia fica mais evidente a necessidade de sua revogação para a reconstrução do país.

Resultados da Greve

A força da greve fez com que o governo passasse a negociar e a apresentar novas propostas aos/às docentes. Nesse sentido, diferentemente da afirmação feita pelo presidente Lula de que os grevistas mantinham uma postura de “tudo ou nada”, a cada mesa de negociação e nova proposta, o Comando Nacional de Greve (CNG), referenciado nas avaliações e encaminhamentos das assembleias de base, formulava contrapropostas intermediárias e factíveis, visando o estabelecimento de um acordo para não se prolongar a greve. Se nas campanhas salariais anteriores (2008, 2012 e 2015) a direção do movimento se mostrou intransigente, este CNG trabalhou na ampliação da mobilização de modo combativo, mas também explicitou disposição em negociar, reafirmando na prática que esta não era uma greve política contra o Governo, mas a favor das reivindicações da categoria.  

Com esse espírito, articulações com parlamentares e direções partidárias também foram realizadas para explicar a situação concreta da mesa de negociação, solicitar apoio e intervenção junto ao governo a fim de destravar as negociações.

Com efeito, apesar de insuficiente e não atender integralmente nossa pauta, podemos afirmar que a greve possibilitou avançarmos nas negociações, resultando em conquistas parciais, mas importantes. Partimos de uma proposta afirmada como “final” de 9% (0% em 2024, 4,5% em 2025 e 4,5% 2026), para um reajuste linear de 0% em 2024, 9% em 2025 e 3,5% em 2026, que associado às alterações nos steps/níveis (adjunto e associado), totalizam uma recomposição salarial final que varia de 13,5% a 16,5% incidindo em 80% da categoria.

A greve também obteve conquista, mesmo que limitada, na pauta de orçamento das IFES. O Governo Federal, em reação ao movimento paredista, anunciou a suplementação do orçamento de custeio e manutenção das universidades federais na ordem de R$ 746,9 milhões, e a projeção de investimento de R$ 5,5 bilhões nos próximos anos.

Reconhecemos que esses valores são muito insuficientes e estão distantes daquilo que a categoria reivindicava e as IFES necessitam. Por outro lado, considerando o longo período desfinanciamento das universidades federais, de perdas ou restrição de direitos, de um quadro conjuntural ainda muito difícil e complexo e de uma perspectiva antes da greve ainda pior, esse avanço não deve ser desprezado, mesmo porque possibilitou, por exemplo, o reajuste parcial das bolsas estudantis na UFRB.

Além dessas pautas, obtivemos ganhos significativos nas reivindicações da chamada “pauta sem impacto financeiro”, com a revisão da Instrução Normativa 66/2022 (orienta as progressões), a revogação da Portaria 983/2020 (trata de questões de carga horária e controle de ponto eletrônico na EBTT), a suspensão de recursos judiciais pelo MEC frente a decisão que conferiram o RSC para aposentados/as e a retomada da participação de entidades sindicais no Conselho Permanente de RSC.

Ganhos políticos e a necessidade de manter a mobilização   

Depois de alguns anos de bastante dificuldade de mobilização nas universidades federais do país e na UFRB em particular, conseguimos realizar assembleias cheias e envolver milhares de docentes em atividades nesse último período. Os/as docentes, movidos/as pela defesa de seus direitos e pelo compromisso de defender a educação pública federal, paralisaram a maioria das IFES e demonstraram disposição em lutar.

Mesmo quando o Governo Federal tentou encerrar a greve unilateralmente assinando um acordo ilegítimo e ilegal com a PROIFES (representação sindical pelega e ultraminoritária), a base se manteve não só coesa, mas ampliou a adesão à greve naquele momento, desmoralizando completamente esse pseudo-sindicato. Diante dessa traição, movimentos surgiram nas poucas universidades (5) filiadas à PROIFES solicitando a desfiliação.

Na UFRB, aflorou, como não se via há muito tempo, o sentimento de defesa da nossa universidade e a disposição e compromisso dos/as docentes de dar continuidade à consecução desse projeto que vem transformando vidas em nossos territórios. Além disso, a APUR recebeu novas filiações fortalecendo nossa entidade para as próximas lutas.

É certo que as conquistas da greve, especialmente no que se refere aos orçamentos de custeio e investimento, são insuficientes. As construções das sedes próprias do CECULT e do CETENS não foram comtempladas no PAC das universidades. Não temos restaurantes universitários em todos os centros, carecemos de mais salas de aula, laboratórios e demais equipamentos imprescindíveis aos diferentes cursos da nossa instituição. Soma-se a isso a dificuldade para honrar as contas recorrentes e ampliar a assistência estudantil. Situação muito similar a enfrentada pela maioria das IFES.

Mas por que os/as docentes da UFRB decidiram encerrar a greve sem o atendimento completo da pauta? Porque as últimas mesas de negociação foram marcadas pela intransigência do governo, o qual reiterava que não havia espaço no orçamento para reajuste e mais verbas para as IFES (reafirmando seu compromisso com o NAF), apostando num cansaço do movimento e definhamento da greve. Diante da estagnação nas negociações e dos possíveis riscos/prejuízos de se prolongar a greve com pouca perspectiva, a categoria decidiu encerrar o movimento.

Apesar disso, compreendemos que a luta não se encerra aqui. É imprescindível nos mobilizarmos para defendermos os pisos constitucionais da saúde e da educação, ameaçados pelo NAF, e avançarmos no processo de consolidação da UFRB, sobretudo com a construção das sedes próprias do CECULT e do CETENS, bem como a recomposição das bolsas estudantis. A APUR se coloca à disposição para construir essas tarefas e convoca a sua categoria.

Cruz das Almas, 25 de julho de 2024.

Diretoria da APUR

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